quinta-feira, 11 de junho de 2009

PARA FACILITAR A LEITURA DOS DOIS LIVROS

Caro leitor,

Com o texto sobre a Descolonização concluiu-se a publicação do livro OPINIÃO 95-96, que é, recordo, uma colectânea de textos sobre temas actuais daqueles tempos. Pode ser giro recordar as roubalheiras do Pedro Caldeira, a questão dos piratas do Canadá durante a guerra da palmeta, o famigerado Totonegócio, etc, etc, etc.

Leia, recorde e diga de sua justiça.

O blog permanece, pois, activo, permitindo a leitura on line do livro que lhe dá o nome, ANGOLA Recordações da Tropa, e de textos do OPINIÃO 95-96, mantendo sempre a possibilidade de comentar conforme lhe aprouver. Procurarei responder, se disso for o caso, aos comentários que surjam.

Para lhe facilitar a vida, levando-o directamente ao capítulo que pretende ler, basta clicar no dito cujo, nesta lista:

Abertura
Introdução
Cap 1 Vamos para a África
Cap 2 Sá da Bandeira
Cap 3 Um Colono Típico
Cap 4 A Escola 60
Cap 5 O Bairro Militar (Sá da Bandeira)
Cap 6 O Liceu Diogo Cão
Cap 7 A Tropa
Cap 8 O Início do Terrorismo
Cap 9 Nova Lisboa
Cap 10 O Liceu Nacional de Nova Lisboa
Cap 11 O Bairro Militar (Nova Lisboa)
Cap 12 O Regresso
Cap 13 Luanda
Cap 14 Quibaxe
Cap 15 O Pós 25 de Abril
Cap 16 A Honra dos Vencidos
Entrecapítulos
Cap 17 Catete
Cap 18 Epílogo


Anexos:
Anexo 1
Anexo 2, Os Comandos
Anexo 3, Palavras para quâ? é o Estado Português...
Anexo 4, O Stress de Guerra e os equívocos
Anexo 5, O Prof Herlander...
Anexo 6, O Último Marechal
Anexo 7, Tomar partido
Anexo 8, As Pensões dos Prisioneiros de Guerra

Fim

terça-feira, 9 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - A Descolonização

Este artigo encerra a publicação de excertos do livreco OPINIÃO 95-96. Nem de propósito, o tema á a descolonização, tema transversal a todo o blog, ainda hoje mal (pouco) discutido e gerando, quase sempre, conversas exaltadas, participadas mais com as tripas que com o cérebro, mais emoção que reflexão...


Sr Director (Independente):

Assisti no passado mês de Dezembro ao Parabéns, não por ser espectador habitual, mas porque me apercebi de que o aniversariante convidado era o Dr Paulo Portas, o que bastou para me plantar em frente da televisão e assistir à parte em que participou.

A dada altura, referindo-se ao Dr Soares, declarou que não lhe perdoava o modo como a descolonização foi feita. Esta sua posição não é nova para mim. É bastante comum entre pessoas que consideram que a descolonização foi mal feita, foi abandono puro e simples, não acautelou os interesses dos portugueses residentes (ou nascidos) nos territórios ultramarinos, nem ligou grande coisa ao futuro das populações dessas terras.

Eu situo-me entre os que consideram tudo isso, isto é: nada tendo sido feito antes do 25 de Abril para assegurar a autodeterminação dos territórios ultramarinos, nada foi sèriamente tentado após essa data.

Começo, contudo, a divergir dos críticos da descolonização que tivemos quando deparo com posições no género de:

1. Portugal deveria ter assegurado um período de transição mais dilatado (já me falaram, com ar entendido, em cinco e até dez anos!);

2. Nenhuma colónia deveria ter ascendido à independência sem que se tivessem realizado eleições organizadas e fiscalizadas sob a tutela da ONU e da OUA, em que as populações escolhessem entre ser independentes e continuar ligadas a Portugal;

3. O MFA, os Governos Provisórios (aí entra o Dr Mário Soares) e o PCP entregaram as colónias à URSS de mão beijada.

Começando pelo ponto 3., os Governos Provisórios pouco pesavam face ao diktat do MFA. Só que a vontade política dominante no MFA (e PCP) era de facto, entregar as colónias à esfera de Moscovo. Disso são claro testemunho as independências de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, onde não havia guerrilha e teria sido possível fazer um plebiscito a sufragar a independência, ou realizar eleições gerais em que figurariam partidos independentistas, pró integração, federalistas, etc.

A questão que permanece por responder é a seguinte: se a vontade política do MFA tivesse sido diversa, poderia Portugal ter imposto ao PAIGC, ao MPLA, FNLA e UNITA e à FRELIMO um esquema substancialmente diferente? Mais: teria Mário Soares (e Melo Antunes, já agora) podido fazer muito mais no tocante à descolonização, sem comprometer a tarefa de manter o PCP fora do comando dos acontecimentos em Portugal? [1]

Quanto aos pontos 1. e 2., considero que teriam sido possíveis e desejáveis antes do 25 de Abril, mais precisamente no início da década de 60, quando se iniciaram acções de guerrilha que visavam a independência de Angola, Moçambique e da Guiné. Essas acções persistiram e generalizaram-se a uma boa parte dos territórios, deixando supor que parte da população poderia ter no peito outro amor maior que o amor a Portugal.

Não tenciono alongar-me sobre o assunto, pois teríamos “pano para mangas”. O que é facto é que se chegou ao 25 de Abril com situações de guerra entre o muito grave (Guiné) e o suportável (Angola), sem que o País estivesse preparado para enfrentar o quadro em que se encontrou no pós 25 de Abril, a saber:

Þ O novo poder proclamava o direito dos povos das colónias à autoderminação e independência .

Þ Os movimentos de guerrilha eram reconhecidos pela ONU e OUA (para não falar de Paulo VI) como representantes legítimos dos povos das colónias portuguesas (a UNITA ganhara esse status pouco antes, e a RENAMO ainda não);

Þ A vontade de combater da tropa portuguesa (que nunca foi muita nem grande) caiu a zero, como seria de esperar: o 25 de Abril foi feito por militares do Quadro Permanente fartos de comissões em África, fartos de levar coices da sociedade civil e ainda por cima (foi a gota de água) ultrapassados na carreira por capitães de aviário (capitães milicianos ligeiramente retocados numa passagem fugaz pela Academia Militar). Fizeram o 25 de Abril para acabar com tudo isso, ou seja, com a guerra.

Þ Com o cessar fogo, ou mesmo antes dele, os movimentos passaram a movimentar-se com grande liberdade, ampliando enormemente a sua implantação nas cidades. Desenvolviam actividades organizativas e de propaganda, penetrando profundamente nos meios intelectuais, estudantis, quadros técnicos e nas próprias forças armadas onde a tropa de incorporação local era ainda parte considerável dos efectivos das unidades.

Foi nesta situação que se iniciaram os vários processos de descolonização.

Na Guiné a situação militar era tão grave que não houve lugar a grandes negociações
[2]. Muito menos haveria ensejo para plebiscitos ou eleições, até porque a República da Guiné Bissau já fora proclamada e reconhecida por um punhado de países (mais do que os que tinham relações diplomáticas com Portugal).

Em Moçambique houve um Governo de Transição, mais por complacência da Frelimo, do que pelo poder de Portugal para impor o que quer que fosse.

Resumindo: a Guiné e Moçambique teriam sido independentes sob partidos pró Moscovo (faça-se esta pequena injustiça ao PAIGC) independentemente do que se achasse bem ou mal em Portugal.

Em Angola, os acontecimentos poderiam ter sido ligeiramente diferentes, mas não creio que Portugal pudesse ter feito mais do que fez a África do Sul (para não falar do Zaire) para evitar a tomada do poder em Luanda pelo MPLA.

Recordo que a África do Sul, com a Unita a servir de tropa de acompanhamento, entrou por Angola ainda com o Alto Comissário português em funções, ocupou Sá da Bandeira, Moçâmedes, Benguela, Lobito, Nova Lisboa, etc, etc, só sendo detida na bacia do Quanza. Por seu lado a FNLA integrando mercenários e tropa do Zaire (ou vice versa
[3]) avançou para sul e só parou (só foi detida, leia-se) às portas de Luanda.

Pelo lado do MPLA alinhava tropa expedicionária cubana, assessores russos, jugoslavos e alemães orientais, etc.

Perante tal internacionalização do conflito e tendo em conta o estado do exército português em termos de prontidão combativa, não vejo como se pode imaginar sequer Portugal a alterar significativamente o curso dos acontecimentos.

Neste quadro, os devaneios ideológicos de Rosa Coutinho, a “neutralidade activa” do MFA e o apoio camarada do PCP ao MFA surgem como manifestações folclóricas perfeitamente irrelevantes, sem efeito decisivo no rumo dos acontecimentos.

CONCLUSÃO:

A descolonização poderia ter sido substancialmente diferente se tivesse começado a ser preparada no tempo do Prof Marcelo Caetano (ou antes). Não o foi. A situação a que se chegou em 25 de Abril de 1974 apenas teria permitido algumas alterações cosméticas ao curso dos acontecimentos.

No essencial, a nossa acção pouco mais poderia ter sido do que irrelevante.

. . . .
NOTAS:

[1] Nisto foi bem sucedido o que constitui, a meu ver, a sua maior realização como político

[2] Spínola tinha mantido conversações com o PAIGC, mas suspendeu-as por ordem de Marcelo Caetano, que o viria a substituir, pouco depois, por Betencourt Rodrigues.

[3] Nunca consegui distinguir um soldado zairense de um guerrilheiro da FNLA, não obstante me entender perfeitamente com eles em francês, já que não falavam português e eu não falava lingala.

domingo, 7 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Só o Ministro é que não sabe?!


Sr Director (Independente):

Nesta última semana tem-se falado e escrito muito sobre a questão angolana a propósito da lebre que muito oportunamente o Indy levantou a propósito da venda a Angola e/ou reparação de equipamento bélico (helicópteros, aviões, etc), pelas OGMA.

No geral, essas intervenções centram-se na legitimidade ou não de Portugal apoiar o “governo do MPLA” (marginalizando a UNITA), e nelas são emitidos juízos de valor sobre o “criminoso regime de Luanda” ou sobre o “garante da democracia em Angola” (seria Savimbi). A quase todas, contudo, parece escapar o que me parece ser o cerne da questão:

OS NEGÓCIOS FORAM REALIZADOS ENQUANTO PORTUGAL DESEMPENHAVA FUNCÕES DE MEDIADOR OU DE OBSERVADOR DO PROCESSO DE PAZ ANGOLANO?

Dispenso-me de tentar provar que os Migs 21 e 23 não são aviões de transporte (como um dos ministros terá dito) e que os Alouette III são usados pela Força Aérea angolana para o mesmo fim que o eram pela FAP: transporte de pequenos grupos de combate (para operações especiais), e para ataque ao solo, pelo que dou como adquirido que se trata de material de guerra cuja função predominante é infligir baixas ao inimigo ou provocar danos nas suas instalações. Fornecer material a um dos beligerantes para realizar essa função, e prover acções para repor ou manter a sua operacionalidade deve ser considerada, por igual, assistência militar ao esforço de guerra desse beligerante.

Desde que Portugal estabeleceu relações diplomáticas com o governo da R.P. Angola, reconhece-lhe legitimidade para assegurar plenamente a soberania de Angola e governar o país, como já o tinha feito a generalidade da comunidade internacional. Desse modo foram legitimadas as relações a vários níveis e em várias actividades entre os dois países, inclusivé na área da Defesa.

Não é novidade nenhuma que as OGMA mantiveram uma delegação em Luanda, pràticamente sem interrupção desde a independência de Angola, para fazer manutenção aos Hércules C 130 e Alouettes III, mas não perdendo outras oportunidades de negócio que se lhes deparavam.

Não é também novidade que o esforço principal das Forças Armadas Angolanas tem sido o combate à UNITA, desde que os ataques da África do Sul se circunscreveram à fronteira do Cunene (e se finaram juntamente com o domínio branco) e a FNLA se esgotou.

No fim da década de 80/início da de 90, contudo, a progressão da guerrilha e os esforços da comunidade internacional lograram convencer o governo de Luanda de que a solução militar não era viável e que só um processo de paz que acabasse com a guerra civil e reconciliasse os angolanos poderia dar ao país esperança de algum bem estar no futuro.

Portugal, como país empenhado na mediação da paz e como observador da implementação dos acordos de Bicesse não podia, de modo algum, continuar envolvido em quaisquer negócios que levassem qualquer das partes signatárias a ganhar ou ampliar vantagem sobre a outra, isto é:

Portugal deveria ter assumido um posição de neutralidade tanto no campo militar como no diplomático.

Parece claro que não o fez, pelo menos no plano dos negócios de armamento.

Ter um mediador e observador a vender armas a uma das partes, é, no mínimo, mais uma peculiaridade do Processo de Paz Angolano.

sábado, 6 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Evolução na Continuidade?


Sr Director (Independente):

Com a iminente saída de cena do Prof Cavaco Silva, esboçaram-se já duas linhas de acção típicas nestas situações: a linha de unidade e a da clarificação política.

A primeira apelará para a coesão em torno de um leader alternativo (o nº 2 na linha hierárquica), esquecendo diferenças de opinião, divergências de interesses, ambições individuais, para manter o poder ou uma fatia dele. É uma linha fortemente castradora do debate político, toda ela dirigida ao apaziguamento interno e à criação de uma imagem para o exterior de unidade em torno das ideias que o partido sempre defendeu (aí entrará a referência a Sá Carneiro, de cujas ideias o delfim se reafirmará continuador). A figura de proa terá forçosamente que ser cinzenta (quem melhor do que Fernando Nogueira para este papel?), eventualmente secundado por um grupo de notáveis que lhe darão credibilidade externa e suporte interno.

A segunda apelará para o primado do debate político e da clarificação estratégica (aqui caberá a necessária referência a Sá Carneiro, porventura mais legítima que a da linha da unidade), deixando para segundo plano a manutenção da fatia do poder. Esta linha é a que apresenta maiores potencialidades. Dela poderão emergir um conjunto de ideias amplamente consensuais fazendo tábua rasa do ideário cavaquista e (com a sorte a ajudar) um leader capaz de as explicar e defender ao eleitorado. Com muita sorte, poderá emergir um leader com carisma (o que permitiria compensar uma eventual menor riqueza das ideias).

O jantar da FIL da passada terça feira, com apelos à unidade em torno de Cavaco Silva e à sua permanência à frente do partido, é o prenúncio da linha da unidade. O apelo é fàcilmente transponível do Chefe para Fernando Nogueira, desde que manter o poder a todo o custo seja o objectivo central.

A saída de Santana Lopes do Governo é, claramente, a preparação da segunda linha. O czar da kultura, como já lhe ouvi chamar, foi fiel à posição que assumiu no congresso da Figueira da Foz mantendo-se ao lado de Cavaco; com a saída anunciada deste, nada o compromete com o senhor que se segue. O debate político (sem excluir a crítica ao que foi a era Cavaco) terá que ser reactivado, o que não será fácil após quase dez anos de paragem quase total.

Suspeito que, a curto prazo, a linha cinzenta conseguirá impor-se e levará o partido a uma estrondosa derrota (Fernando Nogueira deveria pensar no que aconteceu ao Dr Almeida Santos, já lá vai um bom par de anos, durante uma curta passagem pela liderança do PS). Talvez após essa derrota o partido renasça, floresça em novos valores, em novas pessoas, em novas ideias (por que não?); a cada militante será pedido (exigido?) que tenha ideias, que as exponha e discuta.



Não será isso essencial num partido político?

quarta-feira, 3 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Eficiência asiática


Sr Director (Independente):

Agora que a nossa compatriota Angel foi executada, e que por isso nada do que se diga ou escreva pode prejudicar ou ajudar a sua causa, parece-me ter cabimento tecer algumas considerações, nenhuma delas nova, mas pouco ventiladas nos últimos tempos.

O tráfico de droga consiste em pôr à disposição dos consumidores o produto de que carecem e que é produzido em terras distantes, acessíveis a um número muito reduzido de consumidores. O tráfico é assegurado por uma rede de pessoas mais ou menos extensa e complexa, que assegura a compra na fonte, transformação, transporte, distribuição grossista, preparação de doses (embalagem e “afinação”), venda directa ao público.

Como a actividade é ilegal e a necessidade dos consumidores é grande, o trabalho das pessoas envolvidas nesta actividade é muito valorizado.

Em particular, o transporte do produto é uma tarefa que não exige uma qualificação profissional por aí além. Contudo, por ser uma tarefa fundamental e arriscada, é muito bem remunerada. Torna-se, assim, atraente para pessoas sem emprego ou com problemas de dinheiro, ou simplesmente aventureiros que aceitam correr um risco grande num número limitado de operações, para resolverem a sua vida.

Arriscam-se conscientemente a penas pesadas e bem publicitadas (nos aeroportos de Singapura, Bangkok, Kuala Lumpur e tantos outros, os avisos em várias línguas são claros e directos, como o são os conselhos para largar a encomenda no lixo enquanto é tempo).

É um jogo de fortuna e azar: se forem apanhados, é a morte (ou uma pena pesada, normalmente num país onde as prisões são estabelecimentos penais, na verdadeira acepção da palavra); se não forem apanhados, arrecadaram um pé de meia para um princípio de vida ou, pelo menos, para viverem à grande por uns tempos.

Imagino que o traficante, por muito angélico que seja, por muito distante que esteja do dealer de rua, não se preocupará muito com o destino da droga que transporta: se é para adultos já viciados e carentes ou se é para oferecer à porta de escolas, para criar dependência nos putos. Talvez nem sequer se chateie muito a imaginar os roubos e violência que terão lugar para que os consumidores consigam obter as suas doses.

E que se passa a nível de governos? Estarão porventura os governos turco, colombiano, marroquino (para só citar alguns países produtores) sèriamente empenhados em cortar o fluxo de droga para a Europa e para os States? E por que haveriam de estar? Afinal, para os campónios desses países, a papoila, a coca, a erva são culturas respeitáveis, que garantem o sustento da família e a educação dos filhos.

No meio de tudo isto, talvez os governos como o de Singapura, com o seu presidente impenetrável
[1], nos estejam a prestar um serviço, fazendo o trabalho sujo, empenhando-se em que os traficantes quando apanhados (tanto os empedernidos e viciados como os angélicos e ingénuos), não voltem a traficar.


. . . .

NOTAS:

[1] Como lhe chamou o nosso, sempre cioso dos valores da esquerda tradicional e democrática...

terça-feira, 2 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Pretos & Brancos II


Sr José Sousa N’jamba:

Junto envio a carta que escrevi há dias ao Independente. Não a vi publicada, pelo que fico na dúvida se o Indy acha que o Sr U Thant era branco ou se a pessoa que leu o fax (meio que usei para enviar a carta) sabe sequer quem foi o referido senhor. Na dúvida, cesto dos papéis com ele!

Como o Sr Sousa N’jamba (deixe-me usar o seu verdadeiro nome, já que a versão aportuguesada lhe deve pesar um tanto) é uma pessoa culta, estou certo de que só por distracção escreveu que o Sr Butros Ghali é o primeiro não branco a estar à frente da ONU. Está feita a chamada de atenção; caso queira, poderá fazer a correcção que entender.

Repare que considero esta questão de interesse muito reduzido, pois sendo a ONU integrada pela quase totalidade dos países do mundo, estranho seria que o cargo de secretário geral (ou outro qualquer) fosse reservado a brancos, ou a africanos, ou a asiáticos. E sobre brancos e não brancos, estamos conversados!

A propósito de versões aportuguesadas de nomes angolanos, permita-me que lhe conte a seguinte história que se passou comigo:

Em 1976, quando entrei para a TAAG (DTA até pouco antes) havia um contínuo no meu sector que se chamava Colombo. Um belo dia, chegou ao serviço, entrou-me no gabinete e disse-me com um ar todo satisfeito:
“Camarada
[1] engenheiro, eu agora chamo-me Calombe, já não me chamo Colombo”.

Perguntando-lhe eu por quê essa mudança, contou-me que quando o pai o foi registar ao Chefe de Posto e disse que o nome da criança era Calombe, o Tuga teria respondido qualquer coisa como “Qual Calombe, qual carapuça! o nome certo é Colombo, porra! e fica mesmo Colombo!”. É claro que não havia nada a fazer.

O Calombe carregou quase 40 anos com um nome que não era o seu até que a dipanda
[2] lhe permitiu, finalmente, deixar de usar o nome tuga e passar a usar o seu. Por isso estava tão satisfeito.

E não o maço mais. Apresenta-lhe os melhores cumprimentos este leitor assíduo (e, como vê, atento) dos seus escritos.

. . . . .

NOTAS:

[1] Compreenderá que naquele tempo até os americanos da Boeing que por lá andavam eram tratados por camarada, e aceitavam o tratamento com toda a naturalidade. O termo era tão omnipresente, que um “popular” ao narrar um acidente ao repórter da televisão estatal dizia, a alturas tantas “... depois, a camarada IFA embateu na casa...”. Os IFA eram camiões made in RDA, do melhor que a Europa de leste produzia, in illo tempore.

[2] Independência.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Pretos & Brancos I


Sr Director (Independente):

Na coluna do José Sousa Jamba, sob o título Butros Ghali, o não branco, encontrei uma afirmação errada que me pareceria bem que fosse corrigida.

Segundo Sousa Jamba, com Butros Butros Ghali a ONU está pela primeira vez na sua história a ser dirigida por um não branco. Ora o articulista não é tão novo que não se devesse lembrar do secretário geral que ocupou o cargo a seguir ao acidente que vitimou o nórdico de apelido impronunciável, Dag Hammarsjoeld, e antes de Kurt Waldheim.

Era inequìvocamente asiático, enigmático e de poucas palavras, e chamava-se U Thant. Era birmanês de gema e, pela classificação de Sousa Jamba, terá sido, ele sim, o primeiro não branco a estar à frente da ONU.

É aborrecido que o Indy não seja revisto de modo a evitar este tipo de bacorada que pode induzir em erro os leitores menos bem informados.

OPINIÃO 95-96 - Rabinos e Teimosos


Sr Director (Independente):

Não tenho o prazer de conhecer nenhum muçulmano defensor do estabelecimento da república islâmica (fundamentalista ou não, xiita ou sunita) que me faça compreender as razões (ou mesmo as vantagens) por que o Estado e as instituições religiosas devem fundir-se (ou confundir-se). Mais precisamente, por que é que a religião com os seus ministros, os seus mandamentos, as suas fatwas deve orientar não só as almas dos crentes (o que me parece pacífico, já que eles são crentes), como dominar todos os seus actos, os seus pensamentos, numa palavra, toda a sua vida.

A separação clara entre as esferas espiritual e temporal (a César o que é de César ...) parece-me tão evidente e necessária que as religiões-de-Estado e os estados-Religião me surgem como aberrações (autênticas abominações) potenciadoras de toda a sorte de violências e arbitrariedades sobre as pessoas, perpetradas por uma padralhada ignara e amoral, cada vez menos ligada às coisas do espírito, preocupada mais e mais em manter o seu domínio absoluto sobre a sociedade.

Poderia muito bem estar a falar do país dos mullahs. Na realidade estou a falar de Israel, ou mais precisamente a um aspecto “retorcido” do poder temporal da religião judaica (da lei judaica) sobre os seus fiéis: morreu no mês passado um tal Yehia Avraham cujos últimos 32 anos foram passados à sombra, por decisão do tribunal rabínico. Não matou, não roubou, não violou: não acatou.

O bom do Yehia recusou, no longínquo ano de 1949, o divórcio pretendido pela sua senhora. Esta recorreu à sinagoga que deliberou a seu favor. Só que o tribunal dos rabinos não pode impor aos conjuges o divórcio: por muita razão que considere assistir à mulher, o divórcio tem que ter o acordo do marido.

O tribunal pode, contudo, fazer uma forcinha para levar os maridos renitentes a dar o divórcio às suas futuras Ex's: pode mandá-los prender!


Como o Yehia era teimoso que nem uma mula, o poder do tribunal rabínico correspondeu a uma autêntica pena de prisão perpétua.

É claro que Israel é um país civilizado, onde, desde que não se tenha a religião errada, até se vive bem e em relativa liberdade. Contudo, o caso do Yehia e da sua teimosia extremada faz-me pensar que talvez o Estado democrático lá do sítio o seja dentro de limites um tanto estreitos.

Para além deles, a lei judaica prepondera. E pesa demais.

Pelo menos, para o meu gosto.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Timor


Sr Director (Independente):

A situação em Timor continua sem solução à vista, não obstante o massacre do cemitério de Santa Cruz ter trazido a questão para a ribalta internacional, e lhe ter dado novo fôlego no plano nacional.

Não é nada fácil demover um país como a Indonésia, em vias de se consolidar como potência regional, prestigiado internacionalmente como um dos países fundadores do movimento dos países não alinhados e tendo apoiado sempre os movimentos que, em particular na década de sessenta, reivindicaram a libertação dos territórios sob administração colonial.

Para além disto, o país (melhor, o regime) goza dos favores americanos desde os tempos da guerra fria, quando Suharto substituiu o instável e, nesse tempo, já um tanto decrépito Sukarno e fez uma limpeza de alto a baixo eliminando quaisquer hipóteses do Partido Comunista tomar o poder. Whashington ficou grato. E grato continua.

Timor é a excepção: antes do 25 de Abril a Indonésia nunca se manifestou impaciente pela descolonização do território (tampouco manifestou, antes pelo contrário, qualquer apetência pela sua anexação). Contudo, depois do 25 de Abril, após um período de aparente indecisão, invadiu o território e viria formalmente a anexá-lo anos depois. A sua posição actual é fechada, não admitindo nas conversações em curso quaisquer pontos políticos, isto é, que questionem ou simplesmente abordem o estatuto do território.

Como se compreenderá, um país com perto de 200 milhões de habitantes (um mercado e tanto, que o diga o nosso compatriota Manuel Macedo) com um território 105 vezes maior que Timor Leste e 400 vezes mais populoso é um parceiro que não se hostiliza nem sequer se desagrada pelo simples respeito aos direitos do povo maubere. Infelizmente, o que move os países são os interesses e não os princípios. Os princípios proclamam-se e defendem-se nos fóruns internacionais; os interesses salvaguardam-se com políticas e acções concretas.

Como levar a Indonésia a alterar a sua posição face a Timor? Pela força, nem pensar, se bem que o uso da força pela resistência maubere tenha a virtude de mostrar que a anexação não foi aceite e que vinte anos depois da invasão a resistência continua activa contra a administração estrangeira. Isto é fundamental. É, de resto, a razão principal para pequenos países manterem pequenos exércitos que ninguém espera que consigam opor-se com sucesso à invasão das suas fronteiras por um vizinho poderoso, mas garantem que uma eventual invasão encontra resistência (não é consentida nem aceite).

Pelo diálogo, não parece haver, de momento, abordagem possível, já que a discussão do estatuto do território é tabu. Depois de tudo o que se disse e escreveu sobre o assunto, a Indonésia não tem uma saída elegante por onde possa recuar, salvando a face. Talvez seja preciso esperar a saída de cena de Suharto para que o recuo se possa fazer.

A diplomacia no centro da qual está a condenação da Indonésia pelo atropelo dos direitos civis, pelo genocídio da população e pelo desrespeito pelo direito à autodeterminação deveria ser temperada por uma outra vertente, porventura penosa para Portugal, cujos tópicos poderiam ser:

· Portugal, pequeno país dos antípodas, não teve capacidade para desenvolver o território;

· Em 25 de Abril de 1974, Portugal não estava motivado para manter o domínio, ainda que transitório, sobre Timor ou sobre qualquer outra colónia que reivindicasse pela força o fim desse domínio;

· Em 1974, a população timorense não estava preparada para, de forma pacífica e esclarecida, encontrar entre os vários agrupamentos políticos que se perfilaram qual o que reunia mais condições para governar o território;

· Nem Portugal, nem os grupos políticos emergentes levaram a cabo qualquer consulta popular internacionalmente aceite, pela qual o direito à autodeterminação fosse exercido;

· Com a administração Indonésia, Timor conheceu um incremento considerável da actividade económica, das vias de comunicação e da educação;

· A população está em 1995 muito mais esclarecida para exercer o seu direito à autodeterminação já que tem agora muito maior acesso à educação do que tinha até 1974. Tem, por outro lado, um conhecimento muito maior das opções possíveis (mormente no que toca à integração na Indonésia) do que tinha se tivesse sido consultada em 1974. Não se deixará, certamente, manobrar pelos comunistas (grande receio da Indonésia em 1974).

Este aproach, não comporta, na generalidade, quaisquer inverdades e tem a virtude de não diabolizar a Indonésia; valoriza os aspectos positivos da sua administação e deixa para outros a denúncia dos aspectos negativos. Reconhece-lhe um papel “civilizador”, substituindo-se ao país colonizador na preparação da população timorense para exercer de modo esclarecido o direito à autodeterminação consignado na Carta da ONU.

Poderia, pois, constituir uma saída elegante para Indonésia. Levá-la a usar essa saída é, naturalmente, tarefa de monta.

. . . . . .

Veja mais sobre Timor actual) aqui









terça-feira, 26 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Sida


Sr Director (Público):

A ONU proclamou o dia 1 de Dezembro como o Dia Mundial contra a SIDA, dia em que teve lugar a Cimeira de Paris, promovida pela França para concertar medidas para combater a pandemia. Durante a conferência foram apresentados números alarmantes (para quem não acompanha de perto o problema) e foi feito um alerta geral dirigido fundamentalmente aos jovens, estrato que regista maior crescimento de novos casos.

Como não podia deixar de ser, as conclusões da conferência
[1] deverão ser fortemente condicionadas pelo ambiente emocional resultante da necessidade de defender os direitos dos seropositivos[2] , para além do cariz fatal da doença.

De facto, quando se debate a SIDA, assiste-se frequentemente ao confronto entre dois grupos com posições aparentemente antagónicas, a saber:

· A defesa intransigente dos direitos dos seropositivos contra a discriminação no emprego, pelas seguradoras (no ramo VIDA em particular), nas escolas (geralmente quando se trata de crianças), no acesso aos serviços médicos, na vida amorosa;

· A defesa da sociedade contra o avanço da doença, em particular quando se trata de proteger os filhos dos seronegativos do contágio;

O grupo que “defende os seropositivos” é composto por várias organizações coesas e verbalmente agressivas, com grande capacidade de mobilização. Tende a rejeitar tudo o que possa levar à discriminação, a começar pela divulgação da condição de seropositivo.

Chega ao ponto de afirmar o direito do seropositivo a não informar o seu parceiro sexual da sua condição. Em consequência disso, considera o preservativo como a solução por excelência para prevenir a doença, devendo o seu uso ser generalizado.

Para este grupo, as tradicionais medidas de saúde pública ainda em vigor para várias doenças (baseadas no registo e rasteio dos casos detectados e obrigatòriamente participados pelos médicos que os diagnosticaram) não podem aplicar-se à SIDA por conduzirem directamente a medidas discriminatórias, se não do Estado, pelo menos por parte cidadãos seronegativos. Resta a este grupo pressionar o Estado para que incentive a investigação científica dirigida a medicamentos curativos e a vacinas que previnam a doença.

O grupo que “defende os seronegativos” não é pròpriamente um grupo. É constituído bàsicamente pelos seronegativos interessados em não deixarem de o ser (a generalidade da população, pois), e pelas entidades ligadas à saúde pública (pela sua missão, estarão empenhados em suster o avanço da doença e em tratar os doentes que a contraíram).

As entidades oficiais tendem a assumir posições tímidas, com muitas declarações de (boas) intenções. Receiam ser etiquetadas de fascistas pelo grupo que defende os seropositivos (sempre prontos a citar o caso de Cuba onde os seropositivos foram despachados para quarentena numa ilha, com resultados incertos).

As medidas preventivas (para além da divulgação de informação, de propaganda ao uso do preservativo e à troca de seringas) são, assim, sistemàticamente preteridas pelas medidas curativas, ou seja, nenhumas ou quase nenhumas pois o resultado das pesquisas não foi ainda muito além do AZT que, como se sabe, não cura a doença.

Os factos apresentados na Conferência de Paris deveriam servir para que a SIDA fosse encarada como uma verdadeira pandemia contra a qual, mais tarde ou mais cedo, têm que ser tomadas medidas sérias e eficazes no âmbito da saúde pública. Essas medidas, se bem que inseridas num quadro legal onde os direitos e liberdades dos cidadãos são garantidos, não deixarão de interferir com algumas liberdades das pessoas envolvidas. Nessa altura, será muito útil a acção das ONGs, exercendo pressão no sentido de compatibilizar a necessidade de deter a pandemia, com os direitos dos doentes.

Infelizmente, parece óbvio que só quando a SIDA fôr uma ameaça real para os países desenvolvidos
[3], as necessárias medidas serão pensadas e postas em prática.

Talvez nessa altura as medidas suaves que hoje evitariam a propagação da doença tenham que ser substituídas por outras mais restritivas, mais drásticas, e que não darão vida aos milhões de pessoas que entretanto terão contraído a doença e morrido.

. . . . .

NOTAS:

[1] Ou melhor, das conferências, já que paralelamente decorre uma reunião das ONG ligadas aos vários lobbies com alguma relação com a SIDA.


[2] Com sintomas da doença ou não.

[3] Em Portugal a Sida é, neste momento, quase uma doença de artistas e gente boémia. Não são, certamente, os 10 milhões de sidosos africanos, heterossexuais e promíscuos, que estão no centro das preocupações da Abraço...

segunda-feira, 25 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - O Deus da Chuva

Sr Director (Independente):

O texto que se segue foi encontrado no ano de 2495, em Port Moresby (Nova Guiné) na bagagem do primeiro australiano que chegou à ilha, depois da Grande Catástrofe Mundial (ocorrida no fim do século vinte). Fazia parte de um conjunto de apontamentos sobre a vida dos papuas, tomados nos dias que precederam a sua morte. Não tinha ainda percebido que se destinava a ser comido, em cerimónia ritual em honra do Grande Pai Branco, deus da chuva dos papuas. O texto refere-se precisamente à lenda sobre a chegada à ilha desse deus, pouco antes da Grande Catástrofe.

Naqueles tempos o povo andava desesperado. Não chovia há muitas luas e o chão começava a ficar em pedra. As fontes tinham secado há muito tempo. Só nas montanhas havia algumas donde ainda brotava água que se perdia no chão ressequido muito antes de chegar às terras baixas. Só o Grande Pai Branco nos podia valer. O sumo sacerdote chamou o povo para o terreiro grande e no meio de grande alarido e das danças rituais invocou o deus que faz chover. Nesses tempos, o sumo sacerdote era muito poderoso e a sua invocação em breve foi ouvida.

Rugindo sobre a multidão prostrada, o grande pássaro deu sete voltas antes de poisar sobre a terra. Era muito grande, e a sua sombra tapava o sol enchendo de temor as gentes, quando sobre elas planava, ameaçador.

Nunca fechava as asas, como se receasse não ser capaz de as voltar a abrir ou simplesmente para infundir um medo maior ao povo. As patas eram curtas, com garras retorcidas e negras, mais pareciam rodas. O pescoço era direito, com a cabeça virada para baixo, de modo que o bico preto e adunco assentava no chão.

Por baixo de cada asa tinha uns tubos donde saía um vento de fogo que queimava os incautos que tentavam perseguir a grande ave. Dentro dos tubos havia uma semelhança de roda que rodopiava com um forte assobio quando o pássaro se preparava para voar. E de cada asa pendia um tubo e em cada tubo havia dentro uma semelhança de roda que silvava e rugia atemorizando as gentes.

Do pássaro saiu um homem branco, que vinha nas suas entranhas, vestido com um manto branco até ao chão, não deixando ver se caminhava sobre pés ou se flutuava sobre a terra. Estava vivo e acenava ao povo. E o sumo sacerdote levou-lhe uma cesta com terra para que ele a provasse. O homem branco provou da cesta de terra e achou-a boa. E pegando num punhado dela, soprou-a na direcção dos quatro cantos da terra. E as núvens surgiram não se sabe donde sopradas por um vento muito forte até que todo o céu ficou escondido. E as núvens abriram-se sobre a terra ressequida fazendo cair uma chuva perfumada e fresca que durou sete dias e sete noites.

O povo, prostrado de rosto no chão nem se apercebeu da partida do Grande Pai Branco (pois que dele se tratava!) no seu pássaro rugidor. Um dia ele há-de voltar e a nossa terra será outra vez verde e coberta de florestas como era antes do fim do mundo. ALELUIA!


Assim nascem as lendas.
[1]
. . . . .

NOTAS:

[1] Este texto foi suscitado pela notícia da chegada do Papa à Nova Guiné; nesse dia choveu, o que já não acontecia há muito tempo...

domingo, 24 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Ai os números II


Sr Director (Público):


Na rubrica “números & factos” da vossa edição do passado domingo, sob o título SABIA QUE... são apresentados dados sobre o número de pobres na região da América Latina e Caraíbas. Os números perdem impacto por não se fazer referência à população total da região nos anos considerados. Realmente, 296 milhões de pessoas é muita gente, mas o que importa (se me permite) para dar uma ideia da pobreza na região é comparar esse número com o total dos habitantes, e estabelecer a sua evolução ao longo dos anos considerados.

Assim, a população da região em apreço era de 415 milhões em 1986, passou para 442 em 1989 e 449 em 1990. Estima-se que no ano 2000 a população da América Latina e Caraíbas ascenda a 537 milhões, com uma taxa média de crescimento de 2,1% ao ano.

As percentagens de pobres serão as seguintes: 41% em 1986, 42,8% em 1989 e terá saltado para 59,2% em 1990. No ano 2000, a percentagem de pobres terá baixado ligeiramente para os 55,1% .

Com estes dados, o leitor estaria muito mais habilitado a perceber qual a tendência verificada para o empobrecimento da região citada.

sábado, 23 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Ecologia Pós Moderna

Sr Director (Público):


O Público deu no seu número de ontem, dia 23, o devido destaque à tomada de posição do Sr Presidente em relação à nova ponte sobre o Tejo. Li de ponta a ponta, ao longo das três páginas, e reli, porque à primeira leitura não encontrei a explicação que procurava para o facto de o Sr Dr Mário Soares ter tomado a posição que tomou nesta altura em que a procissão está em vias de deixar o adro e encaminhar-se para a rua principal da aldeia.

Recordo-me, é verdade, de que o Dr Mário Soares manifestou reservas sobre a opção do Montijo, ainda antes da escolha estar feita. Contudo, deixou correr o marfim, o debate sobre a localização da nova ponte decorreu como decorreu, o GATTEL apresentou o seu relatório, a escolha foi feita, o concurso lançado, a adjudicação pràticamente feita, o contrato pronto para ser assinado.
Deixou, pois, o processo correr o seu curso e, se bem que a decisão tomada pelo Governo tenha sido contrária à sua opinião, o Sr Presidente, no seu arbitral papel, não interferiu.


Certamente te-lo-ia feito, mais: deveria te-lo feito, caso entendesse que o interesse dos cidadãos estava a ser lesado, ou simplesmente que o processo de tomada de decisão estava a ser demasiadamente fechado ou enfermava de vícios.

Só que o Sr Presidente, não terá percebido bem a engenharia financeira da coisa, terá promulgado um decreto de cujo alcance só mais tarde se terá apercebido. O Sr Presidente faz-me lembrar um antigo Primeiro Ministro com pouca paciência para dossiers (não foi o pior: o Companheiro Vasco e o impagável Almirante Pinheiro de Azevedo levaram-lhe a palma)!

O que mais me espanta é o Dr Mário Soares, um “animal político” por excelência, não ter guardado este tipo de posição, nesta altura, para um qualquer ferrabrás de serviço: o inefável general Azeredo prestar-se-ia a este papel (provàvelmente encantado) e até lhe daria aquele toque pessoal a que nos tem habituado. O Sr Presidente ficaria resguardado, mas o recado teria sido dado à sua querida sociedade civil (pelo chefe da sua casa militar, o que até daria uma maior abrangência à mensagem).

Naturalmente, nada disto tem que ver com as questões técnicas envolvidas (financeiras, de ordenamento do território e ambientais), cujo debate se prolongará certamente muito para além da expectativa de vida dos litigantes mais jovens. Estou a imaginá-los a dizer aos netos qualquer coisa como: “se a ponte tivesse sido feita onde o avô defendia, os meninos agora não teriam que ir para a escola de helicóptero”.

A questão é política e trata-se de optar por uma solução entre várias e avançar com ela, com plena consciência de que para todas as opções haverá grupos de técnicos com posições opostas apoiadas em sólidos argumentos. A posição tardia que o Dr Mário Soares manifestou e a que o cargo que ocupa dá peso institucional é essencialmente uma posição política (por muito que o Dr diga que pode manifestar a sua opinião como qualquer cidadão).

Que pretenderá o Sr Presidente guardando em carteira durante três anos a sua posição sobre o modo como o dossier da nova ponte foi tratado e pondo em causa os critérios de decisão? Será que não tem matéria suficientemente interessante para o capítulo final das suas memórias?

domingo, 17 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Parque Burocrático


Sr Director (Independente):


Comemorou-se ontem o dia mundial da floresta, com diversas cerimónias mais ou menos divulgadas pela comunicação social, uma das quais não resisto a comentar:

A Câmara Municipal de Lisboa colocou à disposição dos munícipes mais um parque, um parque muito especial. Trata-se de uma área em Monsanto, devidamente vedada e de acesso condicionado, para preservar não só as espécies vegetais como a fauna residente, que inclui veados. A Televisão deu algumas imagens do parque, dos veados, e entrevistou o vereador da CML, Engº Rui Godinho, que, visìvelmente agradado, explicou como podem os munícipes (em grupos e sem ser em grupos, integrados em escolas e associações, ou não) aceder a esse espaço de cultura e lazer.

E aqui, ia-me caindo o queixo de pasmo: o Sr Engº informa-nos, ansiosos munícipes, de que basta ir à sede dos serviços, por enquanto na 24 de Julho, fazer a inscrição para visitar o Parque e a CML convidar-nos-á para, em data marcada, fazermos a visita. Trata-se, pois, de um verdadeiro PARQUE BUROCRÁTICO.

A CML não tem, certamente, verbas para pagar a guardas que garantam que os visitantes não o vandalizem. Já não terá, talvez, dezenas (ou seriam centenas) de jardineiros, mais ou menos desocupados, que possam ser reconvertidos, passando de jardins para parques.

Talvez seja uma reconversão mais lógica do que passá-los paulatinamente a contínuos e motoristas. Poderá ainda dar-se o caso de o Sr Vereador não ter imaginado um parque em que os veados, as árvores e os visitantes possam coexistir, num espaço naturalmente vedado e de entradas controladas, onde qualquer cidadão possa entrar e permanecer desde que mantenha uma conduta adequada (isto é, desde que não moleste os animais, nem danifique as plantas).

Que tal o Sr Vereador fazer uma visitinha de estudo ao parque de Richmond , em Londres? Não ficaria muito caro à CML e o Engº Rui Godinho teria a surpresa de entrar no parque de carro (e esta?) sem inscrição prévia (e mais esta?), passear pela relva (sentar-se ou deitar-se nela, se quiser) ver as manadas de veados a pastar tranquilamente. Veria também que se algum “esperto” se aproxima dos animais e os perturba é discretamente (ou não) convidado a deixar os bichos em paz.

Depois, dê o Sr Vereador um ”pulinho” a Kew Gardens (é a paragem a seguir no metro, linha verde, não tem nada que enganar) e encontrará outro parque (devidamente murado e de entradas controladas) onde não terá que marcar a visita com antecedência (entra na hora) e onde, não havendo veados, há uma muito variada flora incluindo essências tropicais em estufas (também de entrada livre).

É claro que em Londres não há menos vândalos que em Lisboa; há, simplesmente, mais guardas onde são necessários.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Os novos feiticeiros da treta...


Sr Director (Público):

O número do passado dia 5 trazia, nesta secção, uma carta assinada por Rosário Neves sobre um assunto que diz respeito à generalidade dos cidadãos, mas que é poucas vezes ventilado na comunicação social (faço uma honrosa ressalva à crónica de Escárnio e Maldizer de Pedro Arroja, na TSF, num dos primeiros dias de Março). A carta tratava do modo pouco ético como alguns médicos exercem a sua profissão, ilustrando com um caso vivido pela signatária.

Naturalmente já ninguém levará muito a sério a ideia antiga de que a medicina seria um sacerdócio, que os médicos teriam uma missão sagrada na Terra, que a prática da medicina se regeria por um código deontológico muito rígido.

A figura tradicional do médico de aldeia percorrendo distâncias por estradas esburacadas, a meio da noite, numa carripana a cair aos bocados para aliviar as dores de um velhote que lhe pagará com uma galinha ou com um “Deus lhe pague, Sr Doutor” , não é mais que uma imagem do passado.

A prática da medicina é hoje encarada como uma profissão como outra qualquer, em que o médico oferece os seus serviços e recebe por eles uma retribuição (talvez ainda haja quem receba em galinhas, mas, em geral, é em dinheiro que os serviços são pagos).

Até aqui, tudo bem. Só que há “pequenos pormenores” que talvez exijam mesmo um código deontológico elevado, e uma fiscalização (a que existe é totalmente inoperante) capaz de garantir o seu cumprimento.

Desses “pequenos pormenores” , sem querer ser exaustivo, indico:

1. O médico trata da saúde de pessoas; não repara carros, nem máquinas de lavar. Sendo a saúde “o bem mais precioso”, o médico fica numa posição negocial privilegiada na sua relação com o paciente, que nem sempre “se atreve” a pedir ao Sr Dr que lhe explique os porquês, comos, etc, da sua doença e do tratamento prescrito, nem sequer a pedir recibo. E muito menos a mandá-lo ir receber lá a casa, quando a catalogadora diz que “o Sr Dr não tem, de momento, recibos; passe por cá noutro dia”...

2. Quando o médico dá consultas nos serviços de saúde do Estado e no seu consultório privado, não lhe será muito fácil resistir à tentação de encaminhar para este os casos mais interessantes ou mais complicados, que exigem uma consulta com mais tempo e em melhores condições. Caso o paciente tenha “disponibilidades”, evidentemente.

3. Tendo o médico, por imperativo de constante actualização, necessidade de ter um contacto estreito com os grandes laboratórios de produtos farmaceuticos será, certamente, difícil resistir à tentação de prescrever o medicamento A em detrimento do medicamento B, quando o laboratório que fabrica o primeiro o convidou para um congresso em Singapura e o segundo o convidou para um congresso na Curia. E quanto a receitar genéricos, nem pensar, pois eles não dão garantias de qualidade (o verbo DAR talvez seja, de facto, o fulcro da questão).

4. A actividade médica é controlada por médicos (eles é que sabem de medicina, claro!). Assim, é extremamente difícil (se não mesmo impossível) levantar dados para fundamentar uma acusação de negligência, ou de prática incorrecta.

Não é injustamente que se diz que ...

os médicos enterram os seus erros.

terça-feira, 12 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - A santa Deslocalização

Sr Director (Independente):


No passado dia 20 de Fevereiro, o Sr Ministro da Indústria esteve na AIP, inauguravam-se as novas instalações da COPRAI, onde proferiu algumas palavras sobre o futuro da indústria portuguesa. Preconizou o Sr Ministro a deslocalização da "parte manufactureira" das empresas para terceiros países, nomeadamente no "eixo Atlântico".

Nada tenho a objectar a este modo de aproveitar a globalização dos mercados para instalar as empresas, ou parte delas, nas regiões onde os factores externos sejam mais favoráveis à sua laboração com vista a colocar no mercado os seus produtos (objectos ou serviços) com vantagens competitivas sobre a concorrência. É paradigmático (para além de pioneiro) o caso da British Airlines cuja contabilidade é feita na Índia. Nesta matéria, o Ministro limita-se a mostrar que assimilou os novos conceitos que os gurus das ciências da Gestão têm lançado nos últimos anos, o que só o abona.

Não posso, contudo, deixar de notar que o Ministro tutela uma área de actividade onde uma apreciável parcela dos cidadãos portugueses desenvolve a sua actividade, como empresários, accionistas e donos de empresa, uns, como empregados por conta de outrém, outros. Se o caminho apontado pelo Ministro é bom para os primeiros, já não se poderá dizer o mesmo para os segundos, os empregados da “parte manufactureira” das empresas transferidas para países terceiros. Ficarão desempregados, eventualmente à espera que alguma empresa de um país rico deslocalize para Portugal.

Dizem-me que como a economia caminha para a globalização, “tudo isto ficará equilibrado”, empresas portuguesas deslocalizadas para Marrocos (por exemplo), empresas alemãs deslocalizadas para Portugal, de modo que o nível médio de emprego tenderá a manter-se. Espero que assim seja. Receio, contudo, que o Governo deixe este mecanismo de equilíbrio entregue a si próprio, não exercendo a sua acção reguladora de forma sensata e eficaz de modo a:

1. Incentivar o investimento estrangeiro no mercado de capitais - o modo canhestro como a CMVM foi tratada no caso Totta, deve ter deixado os potenciais investidores perplexos com o à vontade com que o Ministro das Finanças “interpreta” uma lei existente, torce-a para o lado que quer e o PR promulga. Depois, arranja um novo presidente da CMVM, cheio de boa vontade e de garantias de independência!

2. Incentivar a instalação de novas empresas (estrangeiras, portuguesas e mistas) - neste caso, o Governo poderá estabelecer condições atractivas, facilidades fiscais e de acesso ao crédito ou outras (não esquecer a simplificação das burocracias), mas não pode esperar situações “eternas”, querendo que uma fábrica se mantenha aberta, acumulando prejuízos para manter postos de trabalho (como se fossem empresas públicas, tipo TAP, Siderurgia, CP, etc).

3. Incentivar a valorização do capital humano (ou capital inteligente, como já lhe ouvi chamar), começando por investir na melhoria da qualidade do sistema de ensino (do pré primário ao superior) e privilegiando a formação contínua dos gestores, pois situa-se aí o calcanhar de Aquiles da Indústria portuguesa (e não só da Indústria...).

Não nos espantemos se “a parte manufactureira” de uma empresa relocalizada no eixo Atlântico fôr á à falência! Pois se uma empresa gere tão mal que não consegue em Portugal custos de produção inferiores aos apresentados por empresas alemãs [1] (pagando estas salários múltiplos dos pagos em Portugal), não se percebe bem como é que a gestão melhorará no “eixo Atlântico”.

Por outras palavras, só uma empresa bem gerida (o que está longe de ser norma em Portugal) poderá colher vantagens competitivas na deslocalização.

Eu diria ao Ministro, que a aposta deve ser na gestão e não na deslocalização.

. . . . .

NOTAS:

[1] Refiro-me ao sector da construção civil.

domingo, 10 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Palmeta II


Sr Director (Independente):

A guerra da palmeta, pelos vistos, está para lavar e durar. O Canadá não dá mostras de abandonar a legislação tonta que os seus órgãos de soberania produziram.


A soberania, entendida como o poder de fazer leis e impô-las coactivamente, está associada a um território bem definido, onde essa soberania é exercida; a sua extensão a um território além fronteiras, isto é, fora dos limites do território “base”, é um claro casus belli. Daí que a ideia do Canadá legislar para um território que não é o seu (ainda que seja uma extensão submersa da sua plataforma continental, para além do limite consensual das 200 milhas) é pura tolice, e coloca aquele país na situação incómoda de fora da lei.

Quem não conheça o Canadá e olhe para a sua grande mancha no mapa, poderá ficar com a ideia de que se trata de um grande e poderoso país em vias de reclamar para o seu “povo” o “espaço vital” que lhe falta e a que se sente com direito.


Essa ideia poderá ser reforçada pelo facto de o Canadá pertencer ao grupo dos países mais ricos, o clube exclusivo do G7, onde o presidente russo é recebido (quando convidado!) como um parente pobre que vem pedir uns favorzitos.


Afinal o que é (quem é?) o Canadá?

O Canadá, não sendo um grande país é, contudo, um país grande, com muito território. A sua área é superior a 9,9 milhões de Km2 (mais do triplo da Europa dos 15), boa parte acima do círculo polar Árctico, mas tem uma população diminuta que não atinge os 30 milhões de habitantes (12 vezes menos que a Europa dos 15).

Quanto a riqueza produzida, o Canadá tem um PIB pouco acima dos 700 mil milhões de US$ (11 vezes menos que a Europa dos 15), o que o coloca atrás da China, com o Brasil e a Espanha assomando de perto. Talvez esteja mesmo atrás da Rússia, cuja posição é duvidosa: a URSS tinha em 1988 um PIB estimado em 2500 mil milhões de US$, o que é curta referência tendo em conta as convulsões no seguimento da desintegração soviética, o colapso da economia e o descontrolo da estatística estatal.

Comparando o Canadá com a Califórnia e com o Texas, e olhando para a história das relações com o seu vizinho grande do sul, fica a ideia de que o Canadá não será muito mais que uma espécie de estado americano, sem estrelinha na stars & stripes, mas com bandeira e hino próprios.


Sentindo-se seguro debaixo da asa da águia americana, este projecto de país dedica-se agora à pirataria nos mares internacionais, apresando navios, vandalizando apetrechos de pesca, pondo em risco a segurança de pessoas e bens.

Resta tirar uma conclusão penosa:


a Europa Unida é grande e rica, mas não inspira respeito a ninguém.

sábado, 9 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Vígaro Cá, Vígaro Lá II



Sr Director (Público):

A SIC presenteou-nos esta noite com uma presença especial, há muito anunciada, no seu bloco de notícias da hora do jantar. Nem mais nem menos que o regressado Pedro Caldeira!

O homem é de facto encantador, assumiu uma pose despretensiosa, falou dos valores que sempre foram os seus, e que se mantêm, e do seu amor à liberdade, revalorizado depois de dela ter estado privado.

Mostrou-se um empresário e cidadão exemplar, gerando riqueza (mais de um bilião de contos) e pagando os seus impostos (deve ser, alvitrou, o maior contribuinte individual que o país tem - ou teve).

O Alberto de Carvalho mostrou-se amável, em certas alturas quase reverencial (afinal não estava a entrevistar um escroque, mas um cidadão exemplar!), e ficámos a saber que no julgamento teremos a surpresa de constatar que afinal as coisas não são bem como se pensa.

Por exemplo, Pedro Caldeira adianta que os clientes que perderam as quantias que investiram (ou que entregaram para que fossem investidas) não se sentem logrados (terão tido azar, suponho) e alguns continuam seus amigos (“amigos para sempre”, imagino).

Pedro Caldeira não falou, nem lhe foi perguntado, como é que o corrector de sucesso (o número um, foi várias vezes afirmado) vivia nìtidamente acima das suas posses (nos leilões de arte a sua esposa era presença assídua e licitante), acumulando dívidas pessoais (e da empresa) que ascendiam a várias centenas de milhar de contos, chegando a uma situação de insolvência que obrigou a penhoras das suas casas (entretanto prudentemente despojadas do recheio) e culminou na sua saída estratégica de cena.

O que se verá no julgamento, e isso é que é fundamental, é se Pedro Caldeira vivia à grande da solicitude benévola dos seus clientes e amigos, ou se o fazia à custa de parte das quantias que lhe eram entregues para serem investidas, que afinal eram desviadas para custear as suas despesas pessoais (o que é crime) e a manutenção de um nível de vida superior, repito, às suas posses.

O ar educado, elegante, bem falante e aperaltado que Pedro Caldeira exibiu na SIC não nos deve, afinal, surpreender. Já o poeta Aleixo tinha uma explicação óbvia para isso...

[1]

. . . . .

NOTAS:

[1] Recordo:
“Quem rouba não pode andar mal vestido, esfarrapado
Tem que andar aperaltado p’rós incautos enganar...”

sexta-feira, 8 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Palmeta I


Sr Director (Público):

Há poucos dias o nosso primeiro Ministro apareceu na televisão afirmando com veemência que a Espanha não tinha enviado barcos de guerra (“É mentira!” clamou, e repetiu, o Prof Cavaco) para os mares da Terra Nova mas tão sòmente dois navios sem armas e levando a bordo fiscais da NAFO.

Esta imprudência em fazer afirmações veementes sobre factos que não domina, arriscando-se a que os acontecimentos subsequentes o venham a desmentir, sugere um PM pouco seguro neste seu fim de estação e dá mostra de um amadorismo surpreendente.


De facto, a política bem comportada que o governo português tem seguido na dita guerra da palmeta surpreende-me e desagrada-me.

Não consigo conceber que um país como o Canadá estique a soberania legislando sobre território que não lhe pertence, viole de forma boçal o direito do mar, aborde em águas internacionais embarcações devidamente identificadas e navegando sob o pavilhão de um país com o qual o Canadá não está em guerra, aprese o navio e ainda se dê ao sublime preciosismo de processar o capitão do navio apresado por resistência à autoridade.


Mas qual autoridade?!

Que a Espanha envie navios de guerra (enviou hoje o terceiro, uma fragata, desmentindo o nosso inábil primeiro ministro) para garantir que se mantenham abertas as vias de navegação e a faina da frota pesqueira, livre da interferência de piratas, ou outras, é apenas o que se espera da marinha de guerra de qualquer país em tempo de paz.


Não vejo, é claro, a Espanha a invadir o Canadá, mas vejo-a decidida a garantir aos seus pescadores o livre acesso aos mares internacionais. As fragatas espanholas têm, aparentemente, uma missão mais nobre que fazer tiros de salva e passear ministros.

Imagino que se algum navio português fôr apresado, o nosso PM manterá o discurso sensato de que há que negociar a sua libertação e... as quotas de pescado. Mas será aceitável negociar o quer que seja com um país que viola os acordos em vigor, que ele próprio subscreveu?

E no meio disto tudo, para que nos serve a Europa dos 15?

segunda-feira, 4 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Eleições: tem experiência anterior?


Sr Director (Público):

Confesso-me perplexo com a falta de elevação que tem caracterizado a campanha eleitoral (incluo nela a pré campanha, já que pouco ou nada de substancial as distingue). Em particular, a argumentação base da campanha do Prof Cavaco (experiência governativa anterior) parece-me pouco relevante como critério para encontrar um bom Presidente, quer para o sucesso da campanha.

O Prof Cavaco parece ter uma visão estritamente carreirista da política, a ponto de apresentar como principal requisito de um candidato a Presidente da República a experiência governativa anterior (de preferência como Primeiro Ministro); a principal virtude de um candidato a Primeiro Ministro seria a experiência governativa anterior (de preferência como Ministro) e, assim sucessivamente.

O Prof Cavaco chegou ao extremo de afirmar que foram a experiência e os conhecimentos adquiridos pelo Dr Mário Soares como Ministro dos Negócios Estrangeiros e como Primeiro Ministro que o habilitaram para o papel de presidente. Aparentemente, toda a vivência do Dr Soares até chegar a Ministro (nomeadamente os tempos na oposição a Salazar e Caetano) de nada valem aos olhos do Dr Cavaco: não são experiência governativa, não são curriculum relevante.

Recorde-se que durante a campanha para as legislativas, o cavalo de batalha do PSD contra Guterres foi a falta de experiência governativa deste (que conduziria o país ao caos)*; em contrapartida, essa experiência sobejava ao Dr Nogueira. Este argumento não colheu junto dos eleitores, e o Dr Nogueira perdeu as eleições.

A campanha do Dr Cavaco parece querer seguir o mesmo caminho.

________________

(*) Sabemos agora (em 2009) que tinha toda a razão: Guterres foi um flop completo como Primeiro Ministro...

sábado, 2 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Cuidado, meninos!

Sr Director (Público):

Acompanhei desde o início da noite de ontem os noticiários sobre o acidente que vitimou três jovens praças e feriu outros seis, entre portugueses e italianos. Do que se noticiou e do que várias pessoas, militares e civis, disseram sobre o assunto, ficaram-me duas dúvidas por esclarecer:

1. Onde estavam os oficiais?

2. Aqueles militares tiveram instrução sobre o que fazer perante um engenho explosivo não detonado? (estariam, sequer, informados da existência de tais objectos?)

Começando pela segunda dúvida, parece-me que a tropa não foi convenientemente instruída de que a missão de paz comporta riscos (não é um pic nic, como pensaram os americanos no início da aventura na Somália), de que há uma guerra que está apenas suspensa, que a área onde vão actuar poderá estar minada, armadilhada ou que simplesmente alguns dos engenhos explosivos provenientes de bombardeamentos poderão não ter explodido.

Nestes casos, o que é habitual fazer (não falo de “ouvir dizer”: estive nove anos na tropa, com uma comissão no mato em Angola, a comandar um pelotão de sapadores) é assinalar o “achado”, isolar a zona e chamar o graduado, a quem competiria tomar uma decisão: chamar os sapadores, destruir o engenho no local, desarmá-lo (e o oficial não mandaria o cabo fazê-lo, muito menos numa caserna com mais pessoas...) ou simplesmente declará-lo inócuo.

Apanhar o engenho e trazê-lo para a caserna é perfeitamente impensável para uma tropa a quem foi ministrada uma instrução adequada (é óbvio de que o não foi, no caso vertente).

Quanto à ausência de oficiais em todo este caso, parece-me extremamente preocupante: os militares, além de mal instruídos, parecem estar entregues a si próprios a ponto de manusearem um objecto potencialmente perigoso sem primeiro procurarem o seu oficial (o comandante de pelotão ainda estaria em Lisboa? ou em Split? teria saído após o “toque de ordem”? ou será, simplesmente, um personagem distante, que o soldadinho nem se lembra de consultar?...).

Registo com extremo desagrado as palavras do Brigadeiro François Martins que, ao que percebi, aventou a possibilidade de incompetência das vítimas no manuseio do engenho, esquecendo-se de referir a incompetência de quem as instruiu tão mal. Naturalmente que não concordo com o Sr Brigadeiro quando, num tom quase folgazão, diz que isto podia ter acontecido em qualquer sítio, não tendo relação directa com a presente missão.

Ao ouvi-lo discorrer ex-cátedra, na sua qualidade de “especialista em estratégia e defesa”, tive saudades do Dr Sousa Tavares (Pai, na foto) quando, alguns anos atrás, se encarniçava com desassombro contra os generais sentados à manjedoura do orçamento geral do estado, etc, etc, etc...

sexta-feira, 1 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - Constituição, preâmbulo a la gauche


Sr Director (Público):

O PP deu há pouco o pontapé de saída para um nova revisão da Constituição. Um dos pontos referidos foi a eliminação do preâmbulo, intocado desde 1976, quando a versão original da Constituição foi elaborada, votada e promulgada.

Desde então o articulado sofreu diversas modificações, que adequaram o seu texto aos tempos novos, menos marcados pelos ardores revolucionários que dominavam em 75-76 e que condicionaram os trabalhos da Constituinte.

Assim, o Artº 1º que determinava em 1976 que a República Portuguesa estava “...empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes”, determina hoje o empenho “...na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

O Artº 2º consagrava o objectivo de “...assegurar a transição para o socialismo”, objectivo que na actual versão foi cortado.

É interessante recordar que em 1976 apenas o então CDS, de Freitas do Amaral e Amaro da Costa, votou contra a Constituição, (e honra lhe seja!) enquanto o então PPD, de Sá Carneiro, votava alegremente o texto que consagrava a sociedade sem classes e a transição para o socialismo.

Só estas alterações bastavam para tornar inadequado o preâmbulo, rico em linguagem folclórica (fruta da época...), onde se afirma a “decisão do povo português” de “...abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português...”.

Ora a vontade do eleitorado português (que, à falta de melhor, representa o dito povo) expressa em vários actos eleitorais depois de 1976, permitiu alterar o texto da Constituição no que ele tinha de direccionado para um modelo político que está longe de ser consensual.

Para quê, então, manter tal preâmbulo?


Por que não deixá-lo ligado ao texto constitucional de 1976, e separá-lo, simplesmente, do texto actual?