TOMAR PARTIDO[1]
Ao fim de décadas de guerra civil pouco ficou por destruir em Angola, de tal modo que do país próspero, com uma agricultura florescente, uma indústria em rápida expansão e uma rede de infraestruturas viárias que cobria todo o território, pouco mais resta que a recordação já um tanto distorcida pelo tempo.
Com a saída dos portugueses, na sequência da descolonização possível[2], a rivalidade entre os movimentos de libertação que desde sempre existiu radicalizou-se e a guerra civil tornou-se uma constante até hoje, muito mais violenta e destruidora que a guerra que Portugal travou durante 14 anos.
Os curtos períodos de paz, na sequência de acordos conseguidos após negociações difíceis e complicadas, apenas serviram para as partes se rearmarem e tomarem fôlego para as batalhas que, fatalmente, se seguiriam às tréguas.
A mediação entre MPLA e UNITA assenta na convicção de que o desejo das partes em alcançar a paz é maior que o desejo de se sobreporem ao partido rival (inimigo, melhor dizendo). A mediação entende que o que separa os beligerantes são divergências (ultrapassáveis com um bocado de conversa...), mal entendidos que se podem desfazer com um diálogo franco e aberto, desejo de tachos e prebendas que se podem satisfazer fazendo um rateio imaginativo dos existentes e criando outros consoante as necessidades.
Só que o tempo passa, as várias “pazes” revelaram-se efémeras, as pessoas continuam a morrer, o país a ser destruído, e parece legítimo duvidar da justeza do caminho seguido. Será que a única esperança de paz é a vitória militar de uma das partes?
Esta ideia tem sido ventilada nos últimos tempos e quem a tanto se atreveu foi severamente criticado na comunicação social, pois criou-se no espírito das pessoas civilizadas (chamemos-lhes assim, à falta de melhor) a ideia de que a paz é sempre possível pelo diálogo ou seja, a paz além de um fim em si é tambem um meio, enquanto que a guerra, podendo ser um fim para quem dela vive, nunca é um meio para atingir a paz.
Almeida Santos, com o à vontade que os anos lhe dão, atreveu-se a defender que, não sendo possível a convivência entre a UNITA e o MPLA (a partilha do poder, entenda-se), nem com décadas de negociações, directas ou com mediação, nem com eleições, a paz só advirá quando um dos contendores derrotar o outro.
Afinal a ideia nada tem de nova nem de herética, pois ao longo da história houve diversos momentos em que países isolados ou a comunidade internacional souberam reconhecer (nem sempre atempadamente) a necessidade de pôr fim na contemporização e passar à guerra. Em muitos casos, a essas guerras sucederam períodos longos de paz, como se a guerra tivesse aliviado as tensões acumuladas (ou eliminado as suas causas).
Quando a França e a Inglaterra declararam guerra à Alemanha iniciando a 2ª guerra Mundial não o fizeram por terem sido atacadas ou estarem na iminência de tal, mas porque reconheceram que o processo negocial que conduziam não garantiria a paz na Europa, e estava a servir para a Alemanha se rearmar e conquistar países vizinhos sem disparar um tiro. A invasão da Polónia terá sido a gota de água que fez aqueles países dizerem não à paz podre e optarem pela guerra como caminho para a paz. Por outro lado, Hitler tinha explicado muito bem (a quem teve a pachorra de o ler) o que tencionava fazer, pelo que era da mais elementar prudência evitar que a guerra começasse quando ele estivesse plenamente preparado para ela.
A guerra civil angolana arrasta-se há mais de vinte anos, motivada por ódios e divergências que têm muito mais com diferenças culturais e civilizacionais do que com ideologias ou com as tão apregoadas rivalidades tribais. Durante toda a guerra colonial a UNITA, MPLA e FNLA mantiveram entre si, em paralelo com a luta contra Portugal, uma guerra fraticida, marcada por alianças pontuais e efémeras, parecendo hoje claro que quem tinha que se acomodar já se acomodou (parte dos dirigentes da FNLA e alguns da UNITA estão bem instalados na vida, em Luanda, no Governo ou na sociedade dita civil).
A quem só o poder total interessa, a qualquer preço, para além de quaisquer resultados eleitorais, resta continuar a guerra.
Esta é a atitude irredutível de Savimbi que lidera a Unita como um autêntico soba todo poderoso, sem adjuntos e (muito menos!) sem oposição, um verdadeiro Senhor da Guerra.
O Muata não tem sequer que se preocupar com a alimentação dos refugiados, pois desde sempre a população tende a refugiar-se nas áreas controladas pelo Governo (por que será?...) acompanhando os movimentos das frentes de guerra. Acolhem-se às cidades cercadas (Huambo, Kuito, Malange), redutos governamentais, onde a artilharia inimiga as bombardeia indiscriminadamente. Recorde-se a fuga dramática do Huambo de dezenas de milhar de pessoas, rumo a Benguela, numa das últimas vezes que aquela martirizada cidade foi ocupada pela UNITA.
As recentes[3] declarações de Savimbi sobre o problema dos refugiados, menosprezando as preocupações da comunidade internacional sobre a fome, sugerem que o senhor não tem contacto directo com o problema, que se passa “do outro lado” e que, portanto, parece não lhe dizer respeito.
Na entrevista que deu à BBC, Savimbi mostrava grande dificuldade em concluir frases simples, exprimindo-se numa voz entaramelada, distorcida (pelo vinho? pela liamba?) ficando claro que à sua volta ninguém tem coragem para o impedir de pegar no telefone naquele estado, quanto mais para dar opiniões que de algum modo pareçam opostas às suas.
Infelizmente, parte da comunidade internacional continua apegada à lógica da guerra fria, defendendo o indefensável por o MPLA ter sido comunista e no seu campo reinar a corrupção[4].
É tempo de perceber, pelo que ambas as partes nos mostraram ao longo de décadas, qual delas permite que os angolanos vivam e trabalhem na sua terra, estudem, negoceiem, gozem os tempos de lazer (nas praias, na caça, na pesca, nos bares, nos cinemas, nos jardins, etc, etc), contribuam para a reconstrução do país[5], intervenham na vida pública, nas artes, nas letras, na ciência, na política ... e é tempo de tomar partido.
Ao fim de décadas de guerra civil pouco ficou por destruir em Angola, de tal modo que do país próspero, com uma agricultura florescente, uma indústria em rápida expansão e uma rede de infraestruturas viárias que cobria todo o território, pouco mais resta que a recordação já um tanto distorcida pelo tempo.
Com a saída dos portugueses, na sequência da descolonização possível[2], a rivalidade entre os movimentos de libertação que desde sempre existiu radicalizou-se e a guerra civil tornou-se uma constante até hoje, muito mais violenta e destruidora que a guerra que Portugal travou durante 14 anos.
Os curtos períodos de paz, na sequência de acordos conseguidos após negociações difíceis e complicadas, apenas serviram para as partes se rearmarem e tomarem fôlego para as batalhas que, fatalmente, se seguiriam às tréguas.
A mediação entre MPLA e UNITA assenta na convicção de que o desejo das partes em alcançar a paz é maior que o desejo de se sobreporem ao partido rival (inimigo, melhor dizendo). A mediação entende que o que separa os beligerantes são divergências (ultrapassáveis com um bocado de conversa...), mal entendidos que se podem desfazer com um diálogo franco e aberto, desejo de tachos e prebendas que se podem satisfazer fazendo um rateio imaginativo dos existentes e criando outros consoante as necessidades.
Só que o tempo passa, as várias “pazes” revelaram-se efémeras, as pessoas continuam a morrer, o país a ser destruído, e parece legítimo duvidar da justeza do caminho seguido. Será que a única esperança de paz é a vitória militar de uma das partes?
Esta ideia tem sido ventilada nos últimos tempos e quem a tanto se atreveu foi severamente criticado na comunicação social, pois criou-se no espírito das pessoas civilizadas (chamemos-lhes assim, à falta de melhor) a ideia de que a paz é sempre possível pelo diálogo ou seja, a paz além de um fim em si é tambem um meio, enquanto que a guerra, podendo ser um fim para quem dela vive, nunca é um meio para atingir a paz.
Almeida Santos, com o à vontade que os anos lhe dão, atreveu-se a defender que, não sendo possível a convivência entre a UNITA e o MPLA (a partilha do poder, entenda-se), nem com décadas de negociações, directas ou com mediação, nem com eleições, a paz só advirá quando um dos contendores derrotar o outro.
Afinal a ideia nada tem de nova nem de herética, pois ao longo da história houve diversos momentos em que países isolados ou a comunidade internacional souberam reconhecer (nem sempre atempadamente) a necessidade de pôr fim na contemporização e passar à guerra. Em muitos casos, a essas guerras sucederam períodos longos de paz, como se a guerra tivesse aliviado as tensões acumuladas (ou eliminado as suas causas).
Quando a França e a Inglaterra declararam guerra à Alemanha iniciando a 2ª guerra Mundial não o fizeram por terem sido atacadas ou estarem na iminência de tal, mas porque reconheceram que o processo negocial que conduziam não garantiria a paz na Europa, e estava a servir para a Alemanha se rearmar e conquistar países vizinhos sem disparar um tiro. A invasão da Polónia terá sido a gota de água que fez aqueles países dizerem não à paz podre e optarem pela guerra como caminho para a paz. Por outro lado, Hitler tinha explicado muito bem (a quem teve a pachorra de o ler) o que tencionava fazer, pelo que era da mais elementar prudência evitar que a guerra começasse quando ele estivesse plenamente preparado para ela.
A guerra civil angolana arrasta-se há mais de vinte anos, motivada por ódios e divergências que têm muito mais com diferenças culturais e civilizacionais do que com ideologias ou com as tão apregoadas rivalidades tribais. Durante toda a guerra colonial a UNITA, MPLA e FNLA mantiveram entre si, em paralelo com a luta contra Portugal, uma guerra fraticida, marcada por alianças pontuais e efémeras, parecendo hoje claro que quem tinha que se acomodar já se acomodou (parte dos dirigentes da FNLA e alguns da UNITA estão bem instalados na vida, em Luanda, no Governo ou na sociedade dita civil).
A quem só o poder total interessa, a qualquer preço, para além de quaisquer resultados eleitorais, resta continuar a guerra.
Esta é a atitude irredutível de Savimbi que lidera a Unita como um autêntico soba todo poderoso, sem adjuntos e (muito menos!) sem oposição, um verdadeiro Senhor da Guerra.
O Muata não tem sequer que se preocupar com a alimentação dos refugiados, pois desde sempre a população tende a refugiar-se nas áreas controladas pelo Governo (por que será?...) acompanhando os movimentos das frentes de guerra. Acolhem-se às cidades cercadas (Huambo, Kuito, Malange), redutos governamentais, onde a artilharia inimiga as bombardeia indiscriminadamente. Recorde-se a fuga dramática do Huambo de dezenas de milhar de pessoas, rumo a Benguela, numa das últimas vezes que aquela martirizada cidade foi ocupada pela UNITA.
As recentes[3] declarações de Savimbi sobre o problema dos refugiados, menosprezando as preocupações da comunidade internacional sobre a fome, sugerem que o senhor não tem contacto directo com o problema, que se passa “do outro lado” e que, portanto, parece não lhe dizer respeito.
Na entrevista que deu à BBC, Savimbi mostrava grande dificuldade em concluir frases simples, exprimindo-se numa voz entaramelada, distorcida (pelo vinho? pela liamba?) ficando claro que à sua volta ninguém tem coragem para o impedir de pegar no telefone naquele estado, quanto mais para dar opiniões que de algum modo pareçam opostas às suas.
Infelizmente, parte da comunidade internacional continua apegada à lógica da guerra fria, defendendo o indefensável por o MPLA ter sido comunista e no seu campo reinar a corrupção[4].
É tempo de perceber, pelo que ambas as partes nos mostraram ao longo de décadas, qual delas permite que os angolanos vivam e trabalhem na sua terra, estudem, negoceiem, gozem os tempos de lazer (nas praias, na caça, na pesca, nos bares, nos cinemas, nos jardins, etc, etc), contribuam para a reconstrução do país[5], intervenham na vida pública, nas artes, nas letras, na ciência, na política ... e é tempo de tomar partido.
. . . . . .
[1] Publicado no jornal APOIAR em Dezembro 99
[2] ao que parece Paulo Portas acredita que poderia ter sido significativamente diferente se os malandros dos vermelhos o tivessem permitido...
[3] meados de 1999, entrevista à BBC, por telefone
[4] como seria de esperar, com tanto tempo de guerra civil, com tanto tempo de ascendente dos generais, com tanto tempo de compras com malas de dólares na mão (que as sansões a tanto obrigam...)
[5] destruído pela UNITA, com grande eficiência e criatividade…
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comente como se estivesse num albergue espanhol: entra tudo e ninguém é excluído.