quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

ANGOLA Recordações da Tropa - Anexo 8, As Pensões dos Prisioneiros de Guerra

AS PENSÕES DOS PRISIONEIROS DE GUERRA [1]

Em 18 de Dezembro de 1961, a União Indiana invadiu os territórios de Goa, Damão e Diu, pondo fim pela força a 450 anos de presença portuguesa. Posto entre a espada e a parede, entre as suas convicções pacifistas e as pressões do seu partido e da opinião pública para que resolvesse a situação dos enclaves de dominação estrangeira, Nehru dificilmente poderia ter feito outra coisa.

Aliás, Salazar não só não lhe deu qualquer “aberta” nos contactos diplomáticos que a Índia ensaiou durante anos, como tratou com mão de ferro as tentativas de criação de partidos autonomistas em Goa. O cirurgião Pundlika Gaitondé , do Partido do Congresso (Goa), que fora preso em 1954 (mais 1135 pessoas), a partir da sua saída da prisão (do forte de Peniche, para onde veio deportado, depois de preso em Goa), desempenha um papel de destaque na luta contra a ditadura, tendo sido o primeiro secretário geral da CONCP-Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas. Gaitondé defendia a integração dos enclaves portugueses na União Indiana, não considerando viável (nem com qualquer razão de ser) a independência da manta de retalhos que era o chamado Estado da Índia.

A tomada de Goa, Damão e Diu foi o culminar de um ano péssimo para Salazar, que começou com a tomada do Santa Maria por Galvão, continuou com o ataque às prisões de Luanda, a que se seguiu a onda de massacres no norte de Angola, o golpe palaciano de Botelho Moniz (marcado pela total inépcia dos putativos revoltosos e pela sua pouca disposição para correr riscos) e o desvio de um super Constellation da TAP que andou a lançar panfletos sobre Lisboa, antes de levar os sequestradores para (se bem me lembro) Argel.

O ataque a Goa foi precedido por sinais inequívocos do que se preparava, levando Portugal a evacuar as famílias dos militares, a esboçar um movimento a nível nacional para angariar fundos para comprar um porta aviões (!!!) que iria em socorro das tropas que guarneciam a colónia[2]. Entretanto o velho ditador deixou bem claro que, em caso de invasão, os soldados portugueses só poderiam ser heróis (mortos, claro!) ou traidores. Muito sensatamente, o Governador português, General Vassalo e Silva, preferiu evitar uma carnificina perfeitamente inútil (por muito gozo espiritual que desse a Salazar) e rendeu-se aos indianos, após as nossas tropas (NT) terem resistido aos invasores, sofrendo e provocando baixas, mas reconhecendo que a desproporção de meios no terreno e a inexistência de reservas por parte das NT, não deixava quaisquer dúvidas quanto ao desenlace final.

Os nossos militares foram feitos prisioneiros e ficaram, numa primeira fase, totalmente abandonados, pois Salazar não mostrou qualquer disponibilidade para negociar. Salazar evidenciou o mesmo espírito mesquinho em outros casos, como na perseguição que moveu ao Consul Aristides Sousa Mendes, outro que ousou proceder de acordo com a sua consciência, mas contra as ordens do caudilho. Valeu a intervenção da Cruz Vermelha que serviu de medianeira entre os dois Estados, mas não evitou que o repatriamento só chegasse após largos meses de prisão.
Muitos dos oficiais superiores tiveram as suas carreiras terminadas, em particular o General Vassalo e Silva a quem só faltou ter ido a Conselho de Guerra.

A atitude do Poder foi como se os militares portugueses, que se recusaram a morrer por um capricho do velho sacrista, tivessem cometido um acto de cobardia, traição ou tivessem de algum modo desonrado a farda e as forças armadas.

Nada mais injusto! O papel das Forças Armadas de um país não é necessariamente defendê-lo de vizinhos poderosos mas, se isso não fôr possível, marcar uma posição inequívoca de que a soberania nacional foi sobrepujada pela força. Ninguém esperaria que os exércitos da Polónia, da Bélgica (ou mesmo da França...) tivessem capacidade para deter na fronteira os exércitos do 3º Reich. Contudo não ficou qualquer dúvida de que a ocupação daqueles países pela Alemanha não foi feita com o consentimento dos mesmos. E para isso não foi necessário que os exércitos vencidos se deixassem matar até ao último soldado, como o velho sabujo de Santa Comba queria que os nossos militares fizessem em Goa.

A posição Portuguesa quanto a eventuais direitos sobre os territórios perdidos não foi minimamente prejudicada pela rendição, pois esta deu-se após combates sangrentos, que provocaram mortos e feridos, deixando bem claro que a ocupação só foi obtida pela maior (na verdade muito maior) força das armas.

O que Salazar não obteve, e isso por causa da rendição, foi uma dramatização da situação, que, bem explorada junto dos países ocidentais, lhe poderia ter rendido dividendos.

Tivesse Vassalo e Silva cumprido a ordem espúria, e estou mesmo a ver Salazar, com o dedinho mirrado em riste, os óculos encavalitados na ponta do nariz e a voz tremente, verberando o avanço das forças da desordem e do mal, que só se detiveram na sua sanha assassina quando viram o último dos mártires barbaramente chacinado.

Esquecendo as famílias enlutadas por mortes tão desnecessárias, louvaria e condecoraria a título póstumo os heróis (dignos do Gama e de Mouzinho) que teriam preferido morrer a permitir que o solo sagrado da Pátria fosse conspurcado por pés infiéis.

Salazar está morto, mas, pelos vistos, tem herdeiros que não deixam cair o estandarte da hipocrisia e teimam em enxovalhar, tantos anos depois, os militares da guarnição de Goa, Damão e Diu.

Como é possível, por muito mal assessorado que esteja, por muito caro que fique ao Estado o pagamento das pensões em causa, que um ministro tenha a falta de lucidez para dizer que os militares que estiveram meses como prisioneiros de guerra, no seguimento de um acto de guerra, não são (ou nunca foram) prisioneiros de guerra?!

Estiveram na Índia como presos de delito comum, sr ministro?

Estiveram retidos por sua livre vontade para meditarem na contingência da vida, sr ministro?

Estiveram a banhos, sr ministro?

Haja Deus!

. . . . .

NOTAS:

[1] Publicado no jornal APOIAR de Agosto/Outubro 2000 com o título “NEM PRISIONEIROS, NEM DE GUERRA (SALAZAR QUERIA-OS MORTOS!)”

[2] É difícil garantir que fosse esta a intenção de Salazar, de tal modo a ideia é peregrina, mas a verdade é que a ideia foi lançada e dela me ficou a noção de que um porta aviões era uma máquina de guerra absolutamente decisiva para quem a possuísse (pois se ele bastava para ir salvar a nossa querida Índia...)

3 comentários:

  1. Caro Zé, este é um tema interessante e que tem sido objecto de discussão na Comissão de Toponímia pois existe uma proposta de atribuir o topónimo Vassalo e Silva a uma Rua de Lisboa.
    A questão é se deve homenagear alguém que se rendeu, mas com isso salvou os soldados e ficou com toda a sua carreira hipotecada? Ou o comandante do cruzador (não me lembro o nome), que mandou afundar o barco (cruzador?) para o não entregar à India, recusando-se a render? JRC

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  2. A resistência inicial bastou para que, internacionalmente a invasão não poder ser considerada como consentida. Portugal processou a União Indiana e ganhou, no Tribunal de Haia.
    A continução da resistência não teve qualquer sentido, onde, pontualmente, se verificou.
    O General Vassalo e Silva procedeu como um verdadeiro Comandante: resistiu aos embates iniciais e rendeu-se ante a força invasora despeoporcionadamente superios às forças que ele comandava. Evitou um morticínio desnecessário e sem sentido.
    O heróico marinheiro, mais um tenente que combateu até ser morto são pessoas estimabilíssimas, ótimas para a propaganda, mas umj perigo para a vida dos camaradas...
    Eu voto (simbolicamente) no Gen Vassalo e Silva.

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  3. Tenho pena de todos os que morreram e ficaram feridos e estropiados por culpa de dirigentes políticos de dois países a India podia anexar a India Portuguesa sem guerra mas nesta história só á um criminoso Salazar esse foi o culpado de milhares de mortos da guerra colonial e de muitos que morreram na 2º guerra mundial não soube amar o próximo assim como todos os ditadores
    deste mundo acabam por cair e morrerem na sua loucura da sua solidão

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