sábado, 7 de fevereiro de 2009

ANGOLA Recordações da Tropa - Anexo 6, O Último Marechal



Sr Director (PÚBLICO)

Permita-me que, com alguns dias de atraso, diga de minha justiça sobre uma carta publicada no Público do passado dia 22, da autoria do sr General Carlos Azeredo. A carta foi motivada pelo programa da SIC “O último dos Marechais” e nela o sr General, spinolista convicto, zurze forte e feio no Marechal Costa Gomes e tece os habituais panegíricos ao Marechal Spínola, a quem chama “último cabo de guerra português”. Do texto escorre o palavreado forte e adjectivação fácil a que o pitoresco general nos habituou durante a sua passagem pela casa militar do Presidente Soares.

Não me tomando das dores de nenhum dos gerontes (um deles já falecido), e muito menos dos seus irrequietos discípulos, parece-me conveniente notar que alguns dos pontos que a carta refere estão longe de ser consensuais no meio castrense e fora dele:

1. Um bom general não precisa de ter estado em operações (de arma na mão ou de pingalim em punho...) para o ser. Em países que entraram em guerra, depois de décadas de paz, os oficiais (que nunca ouviram disparar fora das carreiras de tiro) revelaram-se bons ou maus, competentes ou incompetentes, cobardes ou valentes independentemente da experiência anterior (que não tinham). A acção de Costa Gomes em Angola, como Comandante em Chefe, foi mais que meritória (em termos de resultados) sem se dar a aparições folclóricas e teatrais. Nos tempos que vão correndo, o Sr General Azeredo devia saber que a informação, essencial ao processo decisório, flui através dos canais mais diversos que não excluem a observação directa in loco, mas, muitas vezes, a dispensam.

2. A operação Mar Verde (ataque a Conakry), para além de libertar os prisioneiros e afundar as lanchas rápidas, foi um fiasco completo: não depôs Sékou Touré; não matou (nem capturou) Amílcar Cabral; não destruiu os MIGs. O apoio internacional ao PAIGC redobrou e quase se obteve o resultado perverso (e talvez não ponderado) de a armada soviética, ávida de protagonismo, fazer um bloqueio aos portos da Guiné. Teria sido a emenda pior que o soneto... A assunção pública da operação teria sido um acto perfeitamente irresponsável e gratuito: o aviso estava feito a quem interessava fazer (à Guiné Conakry e ao PAIGC), ficando a posição de Portugal, na sua pose de país agredido mas respeitador da integridade territorial dos vizinhos, preservada nos fóruns internacionais.

3. A acção do Marechal Spínola nos seus cinco anos de Guiné baseou-se num equívoco, de uma ingenuidade a toda a prova:


- pensar que seria possível convencer uma parte significativa da população da Guiné de que os “terroristas” eram seus inimigos e que o seu futuro estava com Portugal.


Mesmo servindo-se dos fulas, dividindo para reinar, o mais que Spínola conseguiu foi uma pequena “vietnamização” da guerra, com bandos de infelizes que pagam agora com o exílio o engano em que se deixaram induzir, pegando em armas ao lado do exército estrangeiro contra os seus conterrâneos. As confusas negociações em que Spínola se envolveu com o PAIGC não conduziram a nada mais palpável do que a morte de três majores, enviados pelo General para conferenciar não se sabe bem com quem, nem o quê nem com que garantias...

4. A própria evacuação de parte do Sul da Guiné decidida por Spínola por aí não haver população para defender, foi uma decisão de mérito mais que duvidoso: permitiu à guerrilha apresentar zonas libertadas (se bem que sujeitas a operações das nossas tropas de intervenção). Foi aí que, pouco mais tarde, o PAIGC proclamou a República da Guiné Bissau, para o que era essencial “possuir” território sobre o qual exercesse soberania. Portugal passou, desse modo, a combater, não um bando de rebeldes terroristas, mas um exército regular de um Estado independente reconhecido por uma centena de países.

5. Após o 25 de Abril, o General Spínola transferiu as suas teses “ultramarinas” da Guiné para Angola, que pretendeu manter ligada a Portugal num esquema confuso que passaria por um federalismo vago no qual Mobutu, com quem se encontrou em Cabo Verde, desempenharia um papel (qual, nunca disse).

6. Com o ascendente que o PC ganhou, quer no MFA quer no aparelho de Estado, Spínola teve finalmente o seu papel meritório: opôs-se frontalmente à ascensão do PC e chamou a atenção do País para a maioria silenciosa que repudiava o comunismo (como as sucessivas eleições demonstraram sem margem para dúvidas). Só que o modo como Spínola procedeu levou o País à beira da guerra civil, pois a diplomacia nunca foi o seu forte (nem da guarda pretoriana que se manteve à sua volta desde os tempos da Guiné). Na minha modesta opinião, mais do que a Mário Soares, foi ao então General Costa Gomes que se ficou a dever, em grande parte, o mérito de ter sido evitada a guerra civil.

Para concluir, diria que há muitos comandantes de Batalhão, competentes, valentes e bons condutores de homens, que chegam ao generalato sem conseguirem ver para além dos limites do quartel.

Sem uma visão global do exército, e muito menos do todo nacional, continuam convencidos de que “quem anda no terreno é que sabe”.

É óbvio que estes “cabos de guerra”, de luvas e pingalim, mas sem cavalo, dão maus generais e péssimos políticos[1].

Afinal, é o princípio de Peter a funcionar.

. . . . .

NOTAS:

[1] Esta carta foi escrita antes do Sr General se envolver em polémica com a comunidade judaica e assumir-se como candidato à Câmara Municipal do Porto. Antes, pois, de o General Azeredo nos ter mostrado em toda a plenitude a sua falta de diplomacia (ou de simples bom senso e bom gosto) ao escrever sobre o “ouro nazi”, ferindo a susceptibilidade dos israelitas (cuja comunidade é uma influente vaca sagrada, como sabe qualquer político aprendiz…) e ao quase centrar a campanha eleitoral no capachinho do Dr Fernando Gomes.

3 comentários:

  1. Assinando por baixo quase todo o post, mas quando aparece o Gen Spínola a "dividir para reinar", aí, em que o mais facil é concordarmos, acho a maior ingenuidade de qualquer (português, branco, europeu ou quase), afirmar que tanto Spínola ou qualquer outro militar conseguiu tal proeza. Principalmente na Guiné. O mais que o Spinola conseguiu, podemos considerar, que foi aproveitar uma divisão existente.

    Pois, que Amilcar Cabral, esse sim, nunca conseguiu unir todos os Guineenses, antes pelo contrário, e o que se seguiu explica esta minha afirmação.

    Nem Spínola, tinha o feeling para dividir os Guineenses, nem Cabral para os unir.

    Aliás, o Portugal do Minho a Timor e Unidade Guiné-Caboverde venha o diabo...!

    cumprimentos

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  2. Bom eu não digo que Spínola tenha conseguido dividir, mas que tentou, tentou. Admito, claro, que tentou aprofundar divisões já existentes e não criar divisões "de raíz".
    De qualquer modo, foi de uma grande ingenuidade Spínola pensar que ele, como chefe do invasor branco, podia arvorar-se numa espécie de pai dos guineenses "por um futuro melhor".
    Que Spínola era um político medíocre, viu-se bem no modo como andou em zig zags desde o 25 de Abril até estabilizar de vez, no marechalato gágá com que o arrumaram.

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  3. O que é que uma amélia fardada de militar e de oculos à mariconço percebe de tropa? NADA. Essa "dum bom General não precisar de ter estado em operações para o ser" é típico do portuguesinho saloio que acha que pode opinar sobre tudo, mesmo não sabendo nada. Cito um célebre romanao que escreveu "nada me cansa mais do que a estupidez humana. MC vai dar banho ao cão

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