domingo, 1 de fevereiro de 2009

ANGOLA Recordações da Tropa - Anexo 4, O Stress de Guerra e os equívocos

Ao Notícias Magazine - “Faça-se ouvir”

O número do passado domingo inclui um dossier respeitante a “Atrocidades da Guerra Colonial”, com fotografias que dão uma ideia do clima que se viveu nos primeiros tempos da guerra em Angola, em particular no período que se seguiu às matanças de 15 de Março de 1961. Nessa época eu era miúdo, estava em Nova Lisboa (actual Huambo), e lembro-me bem da onda de medo (e também de indignação, e de sede de vingança) que se propagou a toda a Angola, e que conduziu ao armamento maciço da população branca e à criação de milícias de autodefesa. Anos mais tarde fiz uma comissão no Norte de Angola (Quibaxe e Catete), onde estava quando se deu o 25 de Abril.

Voltando ao dossier do Notícias Magazine, ele inclui um texto sobre o stress de guerra, doença que terá atingido uma boa parte dos soldados que combateram em África, e que ainda hoje “vivem” as experiências que os traumatizaram há mais de 20 anos. Só que este tema permite sempre a mistura de alhos com bugalhos, o que é deveras desagradável. Vejamos dois casos:

1. O Sr J.S. mistura a descrição da sua doença com a alusão a “alguns ex-combatentes e oficiais que estão doentes porque a guerra acabou. (...) que faziam duas e três comissões voluntàriamente. São os que continuam a defender ideias colonialistas e racistas (...) que cometeram massacres (...) mas que não se sentem culpados.” Não me consta que o stress pós traumático só atinja os “bonzinhos”, nem que a ele estejam imunes os racistas e colonialista (actuais e de antanho). Será que o Sr JS os considera responsáveis (culpados!) pelos seus padecimentos?

2. O Dr Albuquerque descreve o caso de um oficial de informações que logo no primeiro interrogatório espancou o prisioneiro (imitando o Pide), estrangulou-o e... teve um orgasmo! Continuou a espancar, a estrangular e a ter orgasmos. Parece-me que este caso está manifestamente “fora do baralho”, e que a pessoa em questão não ficou doente por causa da guerra. Quando muito, a guerra agravou a sua doença, ao retirá-lo da sociedade civil, onde podia ter orgasmos, mas não podia bater nem estrangular ninguém impunemente, mergulhando-o num ambiente onde as suas tendências (para não dizer taras) tiveram plena realização. Por outro lado, parece-me grotesca a referência ao Pide, que terá dado o mau exemplo ao alferes: o que sucedeu foi que a semente encontrou terreno tão fértil, tão bom, que germinou logo à primeira (se me permite a metáfora).

A concluir, diria que há que tentar discernir entre o que a guerra fez a pessoas que eram sãs e equilibradas, e o que aconteceu a pessoas que foram mobilizadas já doentes, vulneráveis e indefesas contra as situações extremas que a guerra proporciona.

O tratamento dos doentes terá mais probabilidades de sucesso se conhecermos a causa da doença de que padecem, em vez de assumirmos a priori que ela surgiu com a guerra e por causa dela.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Comente como se estivesse num albergue espanhol: entra tudo e ninguém é excluído.