quinta-feira, 11 de junho de 2009

PARA FACILITAR A LEITURA DOS DOIS LIVROS

Caro leitor,

Com o texto sobre a Descolonização concluiu-se a publicação do livro OPINIÃO 95-96, que é, recordo, uma colectânea de textos sobre temas actuais daqueles tempos. Pode ser giro recordar as roubalheiras do Pedro Caldeira, a questão dos piratas do Canadá durante a guerra da palmeta, o famigerado Totonegócio, etc, etc, etc.

Leia, recorde e diga de sua justiça.

O blog permanece, pois, activo, permitindo a leitura on line do livro que lhe dá o nome, ANGOLA Recordações da Tropa, e de textos do OPINIÃO 95-96, mantendo sempre a possibilidade de comentar conforme lhe aprouver. Procurarei responder, se disso for o caso, aos comentários que surjam.

Para lhe facilitar a vida, levando-o directamente ao capítulo que pretende ler, basta clicar no dito cujo, nesta lista:

Abertura
Introdução
Cap 1 Vamos para a África
Cap 2 Sá da Bandeira
Cap 3 Um Colono Típico
Cap 4 A Escola 60
Cap 5 O Bairro Militar (Sá da Bandeira)
Cap 6 O Liceu Diogo Cão
Cap 7 A Tropa
Cap 8 O Início do Terrorismo
Cap 9 Nova Lisboa
Cap 10 O Liceu Nacional de Nova Lisboa
Cap 11 O Bairro Militar (Nova Lisboa)
Cap 12 O Regresso
Cap 13 Luanda
Cap 14 Quibaxe
Cap 15 O Pós 25 de Abril
Cap 16 A Honra dos Vencidos
Entrecapítulos
Cap 17 Catete
Cap 18 Epílogo


Anexos:
Anexo 1
Anexo 2, Os Comandos
Anexo 3, Palavras para quâ? é o Estado Português...
Anexo 4, O Stress de Guerra e os equívocos
Anexo 5, O Prof Herlander...
Anexo 6, O Último Marechal
Anexo 7, Tomar partido
Anexo 8, As Pensões dos Prisioneiros de Guerra

Fim

terça-feira, 9 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - A Descolonização

Este artigo encerra a publicação de excertos do livreco OPINIÃO 95-96. Nem de propósito, o tema á a descolonização, tema transversal a todo o blog, ainda hoje mal (pouco) discutido e gerando, quase sempre, conversas exaltadas, participadas mais com as tripas que com o cérebro, mais emoção que reflexão...


Sr Director (Independente):

Assisti no passado mês de Dezembro ao Parabéns, não por ser espectador habitual, mas porque me apercebi de que o aniversariante convidado era o Dr Paulo Portas, o que bastou para me plantar em frente da televisão e assistir à parte em que participou.

A dada altura, referindo-se ao Dr Soares, declarou que não lhe perdoava o modo como a descolonização foi feita. Esta sua posição não é nova para mim. É bastante comum entre pessoas que consideram que a descolonização foi mal feita, foi abandono puro e simples, não acautelou os interesses dos portugueses residentes (ou nascidos) nos territórios ultramarinos, nem ligou grande coisa ao futuro das populações dessas terras.

Eu situo-me entre os que consideram tudo isso, isto é: nada tendo sido feito antes do 25 de Abril para assegurar a autodeterminação dos territórios ultramarinos, nada foi sèriamente tentado após essa data.

Começo, contudo, a divergir dos críticos da descolonização que tivemos quando deparo com posições no género de:

1. Portugal deveria ter assegurado um período de transição mais dilatado (já me falaram, com ar entendido, em cinco e até dez anos!);

2. Nenhuma colónia deveria ter ascendido à independência sem que se tivessem realizado eleições organizadas e fiscalizadas sob a tutela da ONU e da OUA, em que as populações escolhessem entre ser independentes e continuar ligadas a Portugal;

3. O MFA, os Governos Provisórios (aí entra o Dr Mário Soares) e o PCP entregaram as colónias à URSS de mão beijada.

Começando pelo ponto 3., os Governos Provisórios pouco pesavam face ao diktat do MFA. Só que a vontade política dominante no MFA (e PCP) era de facto, entregar as colónias à esfera de Moscovo. Disso são claro testemunho as independências de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, onde não havia guerrilha e teria sido possível fazer um plebiscito a sufragar a independência, ou realizar eleições gerais em que figurariam partidos independentistas, pró integração, federalistas, etc.

A questão que permanece por responder é a seguinte: se a vontade política do MFA tivesse sido diversa, poderia Portugal ter imposto ao PAIGC, ao MPLA, FNLA e UNITA e à FRELIMO um esquema substancialmente diferente? Mais: teria Mário Soares (e Melo Antunes, já agora) podido fazer muito mais no tocante à descolonização, sem comprometer a tarefa de manter o PCP fora do comando dos acontecimentos em Portugal? [1]

Quanto aos pontos 1. e 2., considero que teriam sido possíveis e desejáveis antes do 25 de Abril, mais precisamente no início da década de 60, quando se iniciaram acções de guerrilha que visavam a independência de Angola, Moçambique e da Guiné. Essas acções persistiram e generalizaram-se a uma boa parte dos territórios, deixando supor que parte da população poderia ter no peito outro amor maior que o amor a Portugal.

Não tenciono alongar-me sobre o assunto, pois teríamos “pano para mangas”. O que é facto é que se chegou ao 25 de Abril com situações de guerra entre o muito grave (Guiné) e o suportável (Angola), sem que o País estivesse preparado para enfrentar o quadro em que se encontrou no pós 25 de Abril, a saber:

Þ O novo poder proclamava o direito dos povos das colónias à autoderminação e independência .

Þ Os movimentos de guerrilha eram reconhecidos pela ONU e OUA (para não falar de Paulo VI) como representantes legítimos dos povos das colónias portuguesas (a UNITA ganhara esse status pouco antes, e a RENAMO ainda não);

Þ A vontade de combater da tropa portuguesa (que nunca foi muita nem grande) caiu a zero, como seria de esperar: o 25 de Abril foi feito por militares do Quadro Permanente fartos de comissões em África, fartos de levar coices da sociedade civil e ainda por cima (foi a gota de água) ultrapassados na carreira por capitães de aviário (capitães milicianos ligeiramente retocados numa passagem fugaz pela Academia Militar). Fizeram o 25 de Abril para acabar com tudo isso, ou seja, com a guerra.

Þ Com o cessar fogo, ou mesmo antes dele, os movimentos passaram a movimentar-se com grande liberdade, ampliando enormemente a sua implantação nas cidades. Desenvolviam actividades organizativas e de propaganda, penetrando profundamente nos meios intelectuais, estudantis, quadros técnicos e nas próprias forças armadas onde a tropa de incorporação local era ainda parte considerável dos efectivos das unidades.

Foi nesta situação que se iniciaram os vários processos de descolonização.

Na Guiné a situação militar era tão grave que não houve lugar a grandes negociações
[2]. Muito menos haveria ensejo para plebiscitos ou eleições, até porque a República da Guiné Bissau já fora proclamada e reconhecida por um punhado de países (mais do que os que tinham relações diplomáticas com Portugal).

Em Moçambique houve um Governo de Transição, mais por complacência da Frelimo, do que pelo poder de Portugal para impor o que quer que fosse.

Resumindo: a Guiné e Moçambique teriam sido independentes sob partidos pró Moscovo (faça-se esta pequena injustiça ao PAIGC) independentemente do que se achasse bem ou mal em Portugal.

Em Angola, os acontecimentos poderiam ter sido ligeiramente diferentes, mas não creio que Portugal pudesse ter feito mais do que fez a África do Sul (para não falar do Zaire) para evitar a tomada do poder em Luanda pelo MPLA.

Recordo que a África do Sul, com a Unita a servir de tropa de acompanhamento, entrou por Angola ainda com o Alto Comissário português em funções, ocupou Sá da Bandeira, Moçâmedes, Benguela, Lobito, Nova Lisboa, etc, etc, só sendo detida na bacia do Quanza. Por seu lado a FNLA integrando mercenários e tropa do Zaire (ou vice versa
[3]) avançou para sul e só parou (só foi detida, leia-se) às portas de Luanda.

Pelo lado do MPLA alinhava tropa expedicionária cubana, assessores russos, jugoslavos e alemães orientais, etc.

Perante tal internacionalização do conflito e tendo em conta o estado do exército português em termos de prontidão combativa, não vejo como se pode imaginar sequer Portugal a alterar significativamente o curso dos acontecimentos.

Neste quadro, os devaneios ideológicos de Rosa Coutinho, a “neutralidade activa” do MFA e o apoio camarada do PCP ao MFA surgem como manifestações folclóricas perfeitamente irrelevantes, sem efeito decisivo no rumo dos acontecimentos.

CONCLUSÃO:

A descolonização poderia ter sido substancialmente diferente se tivesse começado a ser preparada no tempo do Prof Marcelo Caetano (ou antes). Não o foi. A situação a que se chegou em 25 de Abril de 1974 apenas teria permitido algumas alterações cosméticas ao curso dos acontecimentos.

No essencial, a nossa acção pouco mais poderia ter sido do que irrelevante.

. . . .
NOTAS:

[1] Nisto foi bem sucedido o que constitui, a meu ver, a sua maior realização como político

[2] Spínola tinha mantido conversações com o PAIGC, mas suspendeu-as por ordem de Marcelo Caetano, que o viria a substituir, pouco depois, por Betencourt Rodrigues.

[3] Nunca consegui distinguir um soldado zairense de um guerrilheiro da FNLA, não obstante me entender perfeitamente com eles em francês, já que não falavam português e eu não falava lingala.

domingo, 7 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Só o Ministro é que não sabe?!


Sr Director (Independente):

Nesta última semana tem-se falado e escrito muito sobre a questão angolana a propósito da lebre que muito oportunamente o Indy levantou a propósito da venda a Angola e/ou reparação de equipamento bélico (helicópteros, aviões, etc), pelas OGMA.

No geral, essas intervenções centram-se na legitimidade ou não de Portugal apoiar o “governo do MPLA” (marginalizando a UNITA), e nelas são emitidos juízos de valor sobre o “criminoso regime de Luanda” ou sobre o “garante da democracia em Angola” (seria Savimbi). A quase todas, contudo, parece escapar o que me parece ser o cerne da questão:

OS NEGÓCIOS FORAM REALIZADOS ENQUANTO PORTUGAL DESEMPENHAVA FUNCÕES DE MEDIADOR OU DE OBSERVADOR DO PROCESSO DE PAZ ANGOLANO?

Dispenso-me de tentar provar que os Migs 21 e 23 não são aviões de transporte (como um dos ministros terá dito) e que os Alouette III são usados pela Força Aérea angolana para o mesmo fim que o eram pela FAP: transporte de pequenos grupos de combate (para operações especiais), e para ataque ao solo, pelo que dou como adquirido que se trata de material de guerra cuja função predominante é infligir baixas ao inimigo ou provocar danos nas suas instalações. Fornecer material a um dos beligerantes para realizar essa função, e prover acções para repor ou manter a sua operacionalidade deve ser considerada, por igual, assistência militar ao esforço de guerra desse beligerante.

Desde que Portugal estabeleceu relações diplomáticas com o governo da R.P. Angola, reconhece-lhe legitimidade para assegurar plenamente a soberania de Angola e governar o país, como já o tinha feito a generalidade da comunidade internacional. Desse modo foram legitimadas as relações a vários níveis e em várias actividades entre os dois países, inclusivé na área da Defesa.

Não é novidade nenhuma que as OGMA mantiveram uma delegação em Luanda, pràticamente sem interrupção desde a independência de Angola, para fazer manutenção aos Hércules C 130 e Alouettes III, mas não perdendo outras oportunidades de negócio que se lhes deparavam.

Não é também novidade que o esforço principal das Forças Armadas Angolanas tem sido o combate à UNITA, desde que os ataques da África do Sul se circunscreveram à fronteira do Cunene (e se finaram juntamente com o domínio branco) e a FNLA se esgotou.

No fim da década de 80/início da de 90, contudo, a progressão da guerrilha e os esforços da comunidade internacional lograram convencer o governo de Luanda de que a solução militar não era viável e que só um processo de paz que acabasse com a guerra civil e reconciliasse os angolanos poderia dar ao país esperança de algum bem estar no futuro.

Portugal, como país empenhado na mediação da paz e como observador da implementação dos acordos de Bicesse não podia, de modo algum, continuar envolvido em quaisquer negócios que levassem qualquer das partes signatárias a ganhar ou ampliar vantagem sobre a outra, isto é:

Portugal deveria ter assumido um posição de neutralidade tanto no campo militar como no diplomático.

Parece claro que não o fez, pelo menos no plano dos negócios de armamento.

Ter um mediador e observador a vender armas a uma das partes, é, no mínimo, mais uma peculiaridade do Processo de Paz Angolano.

sábado, 6 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Evolução na Continuidade?


Sr Director (Independente):

Com a iminente saída de cena do Prof Cavaco Silva, esboçaram-se já duas linhas de acção típicas nestas situações: a linha de unidade e a da clarificação política.

A primeira apelará para a coesão em torno de um leader alternativo (o nº 2 na linha hierárquica), esquecendo diferenças de opinião, divergências de interesses, ambições individuais, para manter o poder ou uma fatia dele. É uma linha fortemente castradora do debate político, toda ela dirigida ao apaziguamento interno e à criação de uma imagem para o exterior de unidade em torno das ideias que o partido sempre defendeu (aí entrará a referência a Sá Carneiro, de cujas ideias o delfim se reafirmará continuador). A figura de proa terá forçosamente que ser cinzenta (quem melhor do que Fernando Nogueira para este papel?), eventualmente secundado por um grupo de notáveis que lhe darão credibilidade externa e suporte interno.

A segunda apelará para o primado do debate político e da clarificação estratégica (aqui caberá a necessária referência a Sá Carneiro, porventura mais legítima que a da linha da unidade), deixando para segundo plano a manutenção da fatia do poder. Esta linha é a que apresenta maiores potencialidades. Dela poderão emergir um conjunto de ideias amplamente consensuais fazendo tábua rasa do ideário cavaquista e (com a sorte a ajudar) um leader capaz de as explicar e defender ao eleitorado. Com muita sorte, poderá emergir um leader com carisma (o que permitiria compensar uma eventual menor riqueza das ideias).

O jantar da FIL da passada terça feira, com apelos à unidade em torno de Cavaco Silva e à sua permanência à frente do partido, é o prenúncio da linha da unidade. O apelo é fàcilmente transponível do Chefe para Fernando Nogueira, desde que manter o poder a todo o custo seja o objectivo central.

A saída de Santana Lopes do Governo é, claramente, a preparação da segunda linha. O czar da kultura, como já lhe ouvi chamar, foi fiel à posição que assumiu no congresso da Figueira da Foz mantendo-se ao lado de Cavaco; com a saída anunciada deste, nada o compromete com o senhor que se segue. O debate político (sem excluir a crítica ao que foi a era Cavaco) terá que ser reactivado, o que não será fácil após quase dez anos de paragem quase total.

Suspeito que, a curto prazo, a linha cinzenta conseguirá impor-se e levará o partido a uma estrondosa derrota (Fernando Nogueira deveria pensar no que aconteceu ao Dr Almeida Santos, já lá vai um bom par de anos, durante uma curta passagem pela liderança do PS). Talvez após essa derrota o partido renasça, floresça em novos valores, em novas pessoas, em novas ideias (por que não?); a cada militante será pedido (exigido?) que tenha ideias, que as exponha e discuta.



Não será isso essencial num partido político?

quarta-feira, 3 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Eficiência asiática


Sr Director (Independente):

Agora que a nossa compatriota Angel foi executada, e que por isso nada do que se diga ou escreva pode prejudicar ou ajudar a sua causa, parece-me ter cabimento tecer algumas considerações, nenhuma delas nova, mas pouco ventiladas nos últimos tempos.

O tráfico de droga consiste em pôr à disposição dos consumidores o produto de que carecem e que é produzido em terras distantes, acessíveis a um número muito reduzido de consumidores. O tráfico é assegurado por uma rede de pessoas mais ou menos extensa e complexa, que assegura a compra na fonte, transformação, transporte, distribuição grossista, preparação de doses (embalagem e “afinação”), venda directa ao público.

Como a actividade é ilegal e a necessidade dos consumidores é grande, o trabalho das pessoas envolvidas nesta actividade é muito valorizado.

Em particular, o transporte do produto é uma tarefa que não exige uma qualificação profissional por aí além. Contudo, por ser uma tarefa fundamental e arriscada, é muito bem remunerada. Torna-se, assim, atraente para pessoas sem emprego ou com problemas de dinheiro, ou simplesmente aventureiros que aceitam correr um risco grande num número limitado de operações, para resolverem a sua vida.

Arriscam-se conscientemente a penas pesadas e bem publicitadas (nos aeroportos de Singapura, Bangkok, Kuala Lumpur e tantos outros, os avisos em várias línguas são claros e directos, como o são os conselhos para largar a encomenda no lixo enquanto é tempo).

É um jogo de fortuna e azar: se forem apanhados, é a morte (ou uma pena pesada, normalmente num país onde as prisões são estabelecimentos penais, na verdadeira acepção da palavra); se não forem apanhados, arrecadaram um pé de meia para um princípio de vida ou, pelo menos, para viverem à grande por uns tempos.

Imagino que o traficante, por muito angélico que seja, por muito distante que esteja do dealer de rua, não se preocupará muito com o destino da droga que transporta: se é para adultos já viciados e carentes ou se é para oferecer à porta de escolas, para criar dependência nos putos. Talvez nem sequer se chateie muito a imaginar os roubos e violência que terão lugar para que os consumidores consigam obter as suas doses.

E que se passa a nível de governos? Estarão porventura os governos turco, colombiano, marroquino (para só citar alguns países produtores) sèriamente empenhados em cortar o fluxo de droga para a Europa e para os States? E por que haveriam de estar? Afinal, para os campónios desses países, a papoila, a coca, a erva são culturas respeitáveis, que garantem o sustento da família e a educação dos filhos.

No meio de tudo isto, talvez os governos como o de Singapura, com o seu presidente impenetrável
[1], nos estejam a prestar um serviço, fazendo o trabalho sujo, empenhando-se em que os traficantes quando apanhados (tanto os empedernidos e viciados como os angélicos e ingénuos), não voltem a traficar.


. . . .

NOTAS:

[1] Como lhe chamou o nosso, sempre cioso dos valores da esquerda tradicional e democrática...

terça-feira, 2 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Pretos & Brancos II


Sr José Sousa N’jamba:

Junto envio a carta que escrevi há dias ao Independente. Não a vi publicada, pelo que fico na dúvida se o Indy acha que o Sr U Thant era branco ou se a pessoa que leu o fax (meio que usei para enviar a carta) sabe sequer quem foi o referido senhor. Na dúvida, cesto dos papéis com ele!

Como o Sr Sousa N’jamba (deixe-me usar o seu verdadeiro nome, já que a versão aportuguesada lhe deve pesar um tanto) é uma pessoa culta, estou certo de que só por distracção escreveu que o Sr Butros Ghali é o primeiro não branco a estar à frente da ONU. Está feita a chamada de atenção; caso queira, poderá fazer a correcção que entender.

Repare que considero esta questão de interesse muito reduzido, pois sendo a ONU integrada pela quase totalidade dos países do mundo, estranho seria que o cargo de secretário geral (ou outro qualquer) fosse reservado a brancos, ou a africanos, ou a asiáticos. E sobre brancos e não brancos, estamos conversados!

A propósito de versões aportuguesadas de nomes angolanos, permita-me que lhe conte a seguinte história que se passou comigo:

Em 1976, quando entrei para a TAAG (DTA até pouco antes) havia um contínuo no meu sector que se chamava Colombo. Um belo dia, chegou ao serviço, entrou-me no gabinete e disse-me com um ar todo satisfeito:
“Camarada
[1] engenheiro, eu agora chamo-me Calombe, já não me chamo Colombo”.

Perguntando-lhe eu por quê essa mudança, contou-me que quando o pai o foi registar ao Chefe de Posto e disse que o nome da criança era Calombe, o Tuga teria respondido qualquer coisa como “Qual Calombe, qual carapuça! o nome certo é Colombo, porra! e fica mesmo Colombo!”. É claro que não havia nada a fazer.

O Calombe carregou quase 40 anos com um nome que não era o seu até que a dipanda
[2] lhe permitiu, finalmente, deixar de usar o nome tuga e passar a usar o seu. Por isso estava tão satisfeito.

E não o maço mais. Apresenta-lhe os melhores cumprimentos este leitor assíduo (e, como vê, atento) dos seus escritos.

. . . . .

NOTAS:

[1] Compreenderá que naquele tempo até os americanos da Boeing que por lá andavam eram tratados por camarada, e aceitavam o tratamento com toda a naturalidade. O termo era tão omnipresente, que um “popular” ao narrar um acidente ao repórter da televisão estatal dizia, a alturas tantas “... depois, a camarada IFA embateu na casa...”. Os IFA eram camiões made in RDA, do melhor que a Europa de leste produzia, in illo tempore.

[2] Independência.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Pretos & Brancos I


Sr Director (Independente):

Na coluna do José Sousa Jamba, sob o título Butros Ghali, o não branco, encontrei uma afirmação errada que me pareceria bem que fosse corrigida.

Segundo Sousa Jamba, com Butros Butros Ghali a ONU está pela primeira vez na sua história a ser dirigida por um não branco. Ora o articulista não é tão novo que não se devesse lembrar do secretário geral que ocupou o cargo a seguir ao acidente que vitimou o nórdico de apelido impronunciável, Dag Hammarsjoeld, e antes de Kurt Waldheim.

Era inequìvocamente asiático, enigmático e de poucas palavras, e chamava-se U Thant. Era birmanês de gema e, pela classificação de Sousa Jamba, terá sido, ele sim, o primeiro não branco a estar à frente da ONU.

É aborrecido que o Indy não seja revisto de modo a evitar este tipo de bacorada que pode induzir em erro os leitores menos bem informados.

OPINIÃO 95-96 - Rabinos e Teimosos


Sr Director (Independente):

Não tenho o prazer de conhecer nenhum muçulmano defensor do estabelecimento da república islâmica (fundamentalista ou não, xiita ou sunita) que me faça compreender as razões (ou mesmo as vantagens) por que o Estado e as instituições religiosas devem fundir-se (ou confundir-se). Mais precisamente, por que é que a religião com os seus ministros, os seus mandamentos, as suas fatwas deve orientar não só as almas dos crentes (o que me parece pacífico, já que eles são crentes), como dominar todos os seus actos, os seus pensamentos, numa palavra, toda a sua vida.

A separação clara entre as esferas espiritual e temporal (a César o que é de César ...) parece-me tão evidente e necessária que as religiões-de-Estado e os estados-Religião me surgem como aberrações (autênticas abominações) potenciadoras de toda a sorte de violências e arbitrariedades sobre as pessoas, perpetradas por uma padralhada ignara e amoral, cada vez menos ligada às coisas do espírito, preocupada mais e mais em manter o seu domínio absoluto sobre a sociedade.

Poderia muito bem estar a falar do país dos mullahs. Na realidade estou a falar de Israel, ou mais precisamente a um aspecto “retorcido” do poder temporal da religião judaica (da lei judaica) sobre os seus fiéis: morreu no mês passado um tal Yehia Avraham cujos últimos 32 anos foram passados à sombra, por decisão do tribunal rabínico. Não matou, não roubou, não violou: não acatou.

O bom do Yehia recusou, no longínquo ano de 1949, o divórcio pretendido pela sua senhora. Esta recorreu à sinagoga que deliberou a seu favor. Só que o tribunal dos rabinos não pode impor aos conjuges o divórcio: por muita razão que considere assistir à mulher, o divórcio tem que ter o acordo do marido.

O tribunal pode, contudo, fazer uma forcinha para levar os maridos renitentes a dar o divórcio às suas futuras Ex's: pode mandá-los prender!


Como o Yehia era teimoso que nem uma mula, o poder do tribunal rabínico correspondeu a uma autêntica pena de prisão perpétua.

É claro que Israel é um país civilizado, onde, desde que não se tenha a religião errada, até se vive bem e em relativa liberdade. Contudo, o caso do Yehia e da sua teimosia extremada faz-me pensar que talvez o Estado democrático lá do sítio o seja dentro de limites um tanto estreitos.

Para além deles, a lei judaica prepondera. E pesa demais.

Pelo menos, para o meu gosto.