Por diversas vezes nestes últimos vinte e tantos anos, tenho ouvido e lido opiniões sobre “os tempos do antigamente” na nossa África.
Sobre a índole cordial e pacífica do colono português abundam as referências pontuais, realçando as diferenças que distinguem a colonização inglesa e francesa da nossa, as quais caracterizariam o nosso modo especial de estar em África.
Sobre a questão do racismo (do “povo português” e do Estado Português) na sociedade multiracial e pluri continental, muito se tem dito e escrito sem que haja consenso sobre o assunto. Que eu saiba, não existe nenhum estudo exaustivo do que foi a colonização portuguesa. Talvez algum instituto (por exemplo o ISCSP, antigo ISCSPU...) ou universidade (a Universidade Aberta parece querer pegar a sério no assunto) tenha em curso investigações que venham fazer luz sobre estas matérias.
Já passou tempo suficiente para termos uma geração que cresceu distanciada dos problemas de África (no tempo e na geografia) e que poderá debruçar-se objectivamente sobre a colonização portuguesa, enquanto ainda estão vivos alguns dos seus últimos protagonistas.
As chagas abertas na última fase da colonização e durante a descolonização ainda estão longe de ter cicatrizado, já que mais não seja porque há ainda larguíssimos milhares de pessoas, vivas e longe da decrepitude, que as sentem na carne. Os retornados que foram espoliados dos seus bens, das suas expectativas de vida e mesmo de entes queridos; os cidadãos das ex colónias que atribuem ao colonizador o subdesenvolvimento dos novos países e ainda as desgraças ocorridas durante o período colonial e/ou pós colonial; os militares que fizeram uma guerra longa e de desfecho mais que duvidoso, e nunca contaram com a compreensão dos colonos (que eram supostos defender), nem da população da Metrópole, nem sequer com o amparo do Estado quando dele precisaram.
Assim, quando entramos no tema movediço da descolonização, a crispação e emotividade com que é tratado dificulta, desde logo, a reflexão séria, o alinhar de factos, a troca serena de opiniões. Cai-se facilmente no confronto de posições radicais, na suspeição sobre os interesses que cada um defende, como “pensa isso, porque não lhe aconteceu aquilo”, “se estivesse no meu lugar pensaria de outro modo” (“como eu”, depreende-se), ou “diz isso, porque conseguiu vender alguma coisa antes de se vir embora”. As acusações podem ser mais politizadas: “vocês, os do MPLA, assim”, “vocês acreditaram que a Unita, assado”, ou ainda “vocês, os do PC, entregaram aquilo tudo aos russos”.
Estas discussões não costumam ter consequências de maior. As relações que tinham que ser cortadas já o foram há tempos largos. Quando muito podem dar origem a amuos temporários, mas nada de grave. As mais das vezes, acabam com uma evocação dos velhos tempos, à volta de uma mesa em que as Carlsberg e as Sagres não conseguem fazer esquecer as Cucas fresquinhas de antanho, beberricadas ao fim da tarde nas esplanadas da Portugália ou do Amazonas...
Estive em Angola[1] mais de vinte anos, nove antes da independência, entre 1958 e 1975, e doze depois da independência, de 1976 a 1988. Presenciei ou participei em muito do que se passou antes do início da guerra, durante a guerra (incluindo uma comissão no norte de Angola) e durante o período pós 25 de Abril.
Este testemunho do que vi e vivi cobre o período até ao meu regresso a Portugal, antes da independência de Angola. Algumas referências à minha última estadia, já como estrangeiro, após a descolonização, serão inseridas sempre que os factos então vividos venham ilustrar o assunto central a tratar: a vida na Angola colonial que eu conheci, em particular as relações entre colonos e colonizados.
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NOTAS:
[1] único território ultramarino que conheci.
mas não há uma blogueira (quarentona) que diga uns bitaites a este jeitoso aí da foto?!
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