Sr Director (Independente):
Nesta última semana tem-se falado e escrito muito sobre a questão angolana a propósito da lebre que muito oportunamente o Indy levantou a propósito da venda a Angola e/ou reparação de equipamento bélico (helicópteros, aviões, etc), pelas OGMA.
No geral, essas intervenções centram-se na legitimidade ou não de Portugal apoiar o “governo do MPLA” (marginalizando a UNITA), e nelas são emitidos juízos de valor sobre o “criminoso regime de Luanda” ou sobre o “garante da democracia em Angola” (seria Savimbi). A quase todas, contudo, parece escapar o que me parece ser o cerne da questão:
OS NEGÓCIOS FORAM REALIZADOS ENQUANTO PORTUGAL DESEMPENHAVA FUNCÕES DE MEDIADOR OU DE OBSERVADOR DO PROCESSO DE PAZ ANGOLANO?
Dispenso-me de tentar provar que os Migs 21 e 23 não são aviões de transporte (como um dos ministros terá dito) e que os Alouette III são usados pela Força Aérea angolana para o mesmo fim que o eram pela FAP: transporte de pequenos grupos de combate (para operações especiais), e para ataque ao solo, pelo que dou como adquirido que se trata de material de guerra cuja função predominante é infligir baixas ao inimigo ou provocar danos nas suas instalações. Fornecer material a um dos beligerantes para realizar essa função, e prover acções para repor ou manter a sua operacionalidade deve ser considerada, por igual, assistência militar ao esforço de guerra desse beligerante.
Desde que Portugal estabeleceu relações diplomáticas com o governo da R.P. Angola, reconhece-lhe legitimidade para assegurar plenamente a soberania de Angola e governar o país, como já o tinha feito a generalidade da comunidade internacional. Desse modo foram legitimadas as relações a vários níveis e em várias actividades entre os dois países, inclusivé na área da Defesa.
Não é novidade nenhuma que as OGMA mantiveram uma delegação em Luanda, pràticamente sem interrupção desde a independência de Angola, para fazer manutenção aos Hércules C 130 e Alouettes III, mas não perdendo outras oportunidades de negócio que se lhes deparavam.
Não é também novidade que o esforço principal das Forças Armadas Angolanas tem sido o combate à UNITA, desde que os ataques da África do Sul se circunscreveram à fronteira do Cunene (e se finaram juntamente com o domínio branco) e a FNLA se esgotou.
No fim da década de 80/início da de 90, contudo, a progressão da guerrilha e os esforços da comunidade internacional lograram convencer o governo de Luanda de que a solução militar não era viável e que só um processo de paz que acabasse com a guerra civil e reconciliasse os angolanos poderia dar ao país esperança de algum bem estar no futuro.
Portugal, como país empenhado na mediação da paz e como observador da implementação dos acordos de Bicesse não podia, de modo algum, continuar envolvido em quaisquer negócios que levassem qualquer das partes signatárias a ganhar ou ampliar vantagem sobre a outra, isto é:
Portugal deveria ter assumido um posição de neutralidade tanto no campo militar como no diplomático.
Parece claro que não o fez, pelo menos no plano dos negócios de armamento.
Ter um mediador e observador a vender armas a uma das partes, é, no mínimo, mais uma peculiaridade do Processo de Paz Angolano.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Comente como se estivesse num albergue espanhol: entra tudo e ninguém é excluído.