quarta-feira, 3 de junho de 2009

OPINIÃO 95-96 - Eficiência asiática


Sr Director (Independente):

Agora que a nossa compatriota Angel foi executada, e que por isso nada do que se diga ou escreva pode prejudicar ou ajudar a sua causa, parece-me ter cabimento tecer algumas considerações, nenhuma delas nova, mas pouco ventiladas nos últimos tempos.

O tráfico de droga consiste em pôr à disposição dos consumidores o produto de que carecem e que é produzido em terras distantes, acessíveis a um número muito reduzido de consumidores. O tráfico é assegurado por uma rede de pessoas mais ou menos extensa e complexa, que assegura a compra na fonte, transformação, transporte, distribuição grossista, preparação de doses (embalagem e “afinação”), venda directa ao público.

Como a actividade é ilegal e a necessidade dos consumidores é grande, o trabalho das pessoas envolvidas nesta actividade é muito valorizado.

Em particular, o transporte do produto é uma tarefa que não exige uma qualificação profissional por aí além. Contudo, por ser uma tarefa fundamental e arriscada, é muito bem remunerada. Torna-se, assim, atraente para pessoas sem emprego ou com problemas de dinheiro, ou simplesmente aventureiros que aceitam correr um risco grande num número limitado de operações, para resolverem a sua vida.

Arriscam-se conscientemente a penas pesadas e bem publicitadas (nos aeroportos de Singapura, Bangkok, Kuala Lumpur e tantos outros, os avisos em várias línguas são claros e directos, como o são os conselhos para largar a encomenda no lixo enquanto é tempo).

É um jogo de fortuna e azar: se forem apanhados, é a morte (ou uma pena pesada, normalmente num país onde as prisões são estabelecimentos penais, na verdadeira acepção da palavra); se não forem apanhados, arrecadaram um pé de meia para um princípio de vida ou, pelo menos, para viverem à grande por uns tempos.

Imagino que o traficante, por muito angélico que seja, por muito distante que esteja do dealer de rua, não se preocupará muito com o destino da droga que transporta: se é para adultos já viciados e carentes ou se é para oferecer à porta de escolas, para criar dependência nos putos. Talvez nem sequer se chateie muito a imaginar os roubos e violência que terão lugar para que os consumidores consigam obter as suas doses.

E que se passa a nível de governos? Estarão porventura os governos turco, colombiano, marroquino (para só citar alguns países produtores) sèriamente empenhados em cortar o fluxo de droga para a Europa e para os States? E por que haveriam de estar? Afinal, para os campónios desses países, a papoila, a coca, a erva são culturas respeitáveis, que garantem o sustento da família e a educação dos filhos.

No meio de tudo isto, talvez os governos como o de Singapura, com o seu presidente impenetrável
[1], nos estejam a prestar um serviço, fazendo o trabalho sujo, empenhando-se em que os traficantes quando apanhados (tanto os empedernidos e viciados como os angélicos e ingénuos), não voltem a traficar.


. . . .

NOTAS:

[1] Como lhe chamou o nosso, sempre cioso dos valores da esquerda tradicional e democrática...

Sem comentários:

Enviar um comentário

Comente como se estivesse num albergue espanhol: entra tudo e ninguém é excluído.