Sr Director (Independente):
A situação em Timor continua sem solução à vista, não obstante o massacre do cemitério de Santa Cruz ter trazido a questão para a ribalta internacional, e lhe ter dado novo fôlego no plano nacional.
Não é nada fácil demover um país como a Indonésia, em vias de se consolidar como potência regional, prestigiado internacionalmente como um dos países fundadores do movimento dos países não alinhados e tendo apoiado sempre os movimentos que, em particular na década de sessenta, reivindicaram a libertação dos territórios sob administração colonial.
Para além disto, o país (melhor, o regime) goza dos favores americanos desde os tempos da guerra fria, quando Suharto substituiu o instável e, nesse tempo, já um tanto decrépito Sukarno e fez uma limpeza de alto a baixo eliminando quaisquer hipóteses do Partido Comunista tomar o poder. Whashington ficou grato. E grato continua.
Timor é a excepção: antes do 25 de Abril a Indonésia nunca se manifestou impaciente pela descolonização do território (tampouco manifestou, antes pelo contrário, qualquer apetência pela sua anexação). Contudo, depois do 25 de Abril, após um período de aparente indecisão, invadiu o território e viria formalmente a anexá-lo anos depois. A sua posição actual é fechada, não admitindo nas conversações em curso quaisquer pontos políticos, isto é, que questionem ou simplesmente abordem o estatuto do território.
Como se compreenderá, um país com perto de 200 milhões de habitantes (um mercado e tanto, que o diga o nosso compatriota Manuel Macedo) com um território 105 vezes maior que Timor Leste e 400 vezes mais populoso é um parceiro que não se hostiliza nem sequer se desagrada pelo simples respeito aos direitos do povo maubere. Infelizmente, o que move os países são os interesses e não os princípios. Os princípios proclamam-se e defendem-se nos fóruns internacionais; os interesses salvaguardam-se com políticas e acções concretas.
Como levar a Indonésia a alterar a sua posição face a Timor? Pela força, nem pensar, se bem que o uso da força pela resistência maubere tenha a virtude de mostrar que a anexação não foi aceite e que vinte anos depois da invasão a resistência continua activa contra a administração estrangeira. Isto é fundamental. É, de resto, a razão principal para pequenos países manterem pequenos exércitos que ninguém espera que consigam opor-se com sucesso à invasão das suas fronteiras por um vizinho poderoso, mas garantem que uma eventual invasão encontra resistência (não é consentida nem aceite).
Pelo diálogo, não parece haver, de momento, abordagem possível, já que a discussão do estatuto do território é tabu. Depois de tudo o que se disse e escreveu sobre o assunto, a Indonésia não tem uma saída elegante por onde possa recuar, salvando a face. Talvez seja preciso esperar a saída de cena de Suharto para que o recuo se possa fazer.
A diplomacia no centro da qual está a condenação da Indonésia pelo atropelo dos direitos civis, pelo genocídio da população e pelo desrespeito pelo direito à autodeterminação deveria ser temperada por uma outra vertente, porventura penosa para Portugal, cujos tópicos poderiam ser:
· Portugal, pequeno país dos antípodas, não teve capacidade para desenvolver o território;
· Em 25 de Abril de 1974, Portugal não estava motivado para manter o domínio, ainda que transitório, sobre Timor ou sobre qualquer outra colónia que reivindicasse pela força o fim desse domínio;
· Em 1974, a população timorense não estava preparada para, de forma pacífica e esclarecida, encontrar entre os vários agrupamentos políticos que se perfilaram qual o que reunia mais condições para governar o território;
· Nem Portugal, nem os grupos políticos emergentes levaram a cabo qualquer consulta popular internacionalmente aceite, pela qual o direito à autodeterminação fosse exercido;
· Com a administração Indonésia, Timor conheceu um incremento considerável da actividade económica, das vias de comunicação e da educação;
· A população está em 1995 muito mais esclarecida para exercer o seu direito à autodeterminação já que tem agora muito maior acesso à educação do que tinha até 1974. Tem, por outro lado, um conhecimento muito maior das opções possíveis (mormente no que toca à integração na Indonésia) do que tinha se tivesse sido consultada em 1974. Não se deixará, certamente, manobrar pelos comunistas (grande receio da Indonésia em 1974).
Este aproach, não comporta, na generalidade, quaisquer inverdades e tem a virtude de não diabolizar a Indonésia; valoriza os aspectos positivos da sua administação e deixa para outros a denúncia dos aspectos negativos. Reconhece-lhe um papel “civilizador”, substituindo-se ao país colonizador na preparação da população timorense para exercer de modo esclarecido o direito à autodeterminação consignado na Carta da ONU.
Poderia, pois, constituir uma saída elegante para Indonésia. Levá-la a usar essa saída é, naturalmente, tarefa de monta.
Veja mais sobre Timor actual) aqui
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