Sr Director (Público):
A ONU proclamou o dia 1 de Dezembro como o Dia Mundial contra a SIDA, dia em que teve lugar a Cimeira de Paris, promovida pela França para concertar medidas para combater a pandemia. Durante a conferência foram apresentados números alarmantes (para quem não acompanha de perto o problema) e foi feito um alerta geral dirigido fundamentalmente aos jovens, estrato que regista maior crescimento de novos casos.
Como não podia deixar de ser, as conclusões da conferência[1] deverão ser fortemente condicionadas pelo ambiente emocional resultante da necessidade de defender os direitos dos seropositivos[2] , para além do cariz fatal da doença.
De facto, quando se debate a SIDA, assiste-se frequentemente ao confronto entre dois grupos com posições aparentemente antagónicas, a saber:
· A defesa intransigente dos direitos dos seropositivos contra a discriminação no emprego, pelas seguradoras (no ramo VIDA em particular), nas escolas (geralmente quando se trata de crianças), no acesso aos serviços médicos, na vida amorosa;
· A defesa da sociedade contra o avanço da doença, em particular quando se trata de proteger os filhos dos seronegativos do contágio;
O grupo que “defende os seropositivos” é composto por várias organizações coesas e verbalmente agressivas, com grande capacidade de mobilização. Tende a rejeitar tudo o que possa levar à discriminação, a começar pela divulgação da condição de seropositivo.
Chega ao ponto de afirmar o direito do seropositivo a não informar o seu parceiro sexual da sua condição. Em consequência disso, considera o preservativo como a solução por excelência para prevenir a doença, devendo o seu uso ser generalizado.
Para este grupo, as tradicionais medidas de saúde pública ainda em vigor para várias doenças (baseadas no registo e rasteio dos casos detectados e obrigatòriamente participados pelos médicos que os diagnosticaram) não podem aplicar-se à SIDA por conduzirem directamente a medidas discriminatórias, se não do Estado, pelo menos por parte cidadãos seronegativos. Resta a este grupo pressionar o Estado para que incentive a investigação científica dirigida a medicamentos curativos e a vacinas que previnam a doença.
O grupo que “defende os seronegativos” não é pròpriamente um grupo. É constituído bàsicamente pelos seronegativos interessados em não deixarem de o ser (a generalidade da população, pois), e pelas entidades ligadas à saúde pública (pela sua missão, estarão empenhados em suster o avanço da doença e em tratar os doentes que a contraíram).
As entidades oficiais tendem a assumir posições tímidas, com muitas declarações de (boas) intenções. Receiam ser etiquetadas de fascistas pelo grupo que defende os seropositivos (sempre prontos a citar o caso de Cuba onde os seropositivos foram despachados para quarentena numa ilha, com resultados incertos).
As medidas preventivas (para além da divulgação de informação, de propaganda ao uso do preservativo e à troca de seringas) são, assim, sistemàticamente preteridas pelas medidas curativas, ou seja, nenhumas ou quase nenhumas pois o resultado das pesquisas não foi ainda muito além do AZT que, como se sabe, não cura a doença.
Os factos apresentados na Conferência de Paris deveriam servir para que a SIDA fosse encarada como uma verdadeira pandemia contra a qual, mais tarde ou mais cedo, têm que ser tomadas medidas sérias e eficazes no âmbito da saúde pública. Essas medidas, se bem que inseridas num quadro legal onde os direitos e liberdades dos cidadãos são garantidos, não deixarão de interferir com algumas liberdades das pessoas envolvidas. Nessa altura, será muito útil a acção das ONGs, exercendo pressão no sentido de compatibilizar a necessidade de deter a pandemia, com os direitos dos doentes.
Infelizmente, parece óbvio que só quando a SIDA fôr uma ameaça real para os países desenvolvidos[3], as necessárias medidas serão pensadas e postas em prática.
Talvez nessa altura as medidas suaves que hoje evitariam a propagação da doença tenham que ser substituídas por outras mais restritivas, mais drásticas, e que não darão vida aos milhões de pessoas que entretanto terão contraído a doença e morrido.
. . . . .
NOTAS:
[1] Ou melhor, das conferências, já que paralelamente decorre uma reunião das ONG ligadas aos vários lobbies com alguma relação com a SIDA.
[2] Com sintomas da doença ou não.
[3] Em Portugal a Sida é, neste momento, quase uma doença de artistas e gente boémia. Não são, certamente, os 10 milhões de sidosos africanos, heterossexuais e promíscuos, que estão no centro das preocupações da Abraço...
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