Sr Director (Público):
O Público deu no seu número de ontem, dia 23, o devido destaque à tomada de posição do Sr Presidente em relação à nova ponte sobre o Tejo. Li de ponta a ponta, ao longo das três páginas, e reli, porque à primeira leitura não encontrei a explicação que procurava para o facto de o Sr Dr Mário Soares ter tomado a posição que tomou nesta altura em que a procissão está em vias de deixar o adro e encaminhar-se para a rua principal da aldeia.
Recordo-me, é verdade, de que o Dr Mário Soares manifestou reservas sobre a opção do Montijo, ainda antes da escolha estar feita. Contudo, deixou correr o marfim, o debate sobre a localização da nova ponte decorreu como decorreu, o GATTEL apresentou o seu relatório, a escolha foi feita, o concurso lançado, a adjudicação pràticamente feita, o contrato pronto para ser assinado. Deixou, pois, o processo correr o seu curso e, se bem que a decisão tomada pelo Governo tenha sido contrária à sua opinião, o Sr Presidente, no seu arbitral papel, não interferiu.
Certamente te-lo-ia feito, mais: deveria te-lo feito, caso entendesse que o interesse dos cidadãos estava a ser lesado, ou simplesmente que o processo de tomada de decisão estava a ser demasiadamente fechado ou enfermava de vícios.
Só que o Sr Presidente, não terá percebido bem a engenharia financeira da coisa, terá promulgado um decreto de cujo alcance só mais tarde se terá apercebido. O Sr Presidente faz-me lembrar um antigo Primeiro Ministro com pouca paciência para dossiers (não foi o pior: o Companheiro Vasco e o impagável Almirante Pinheiro de Azevedo levaram-lhe a palma)!
O que mais me espanta é o Dr Mário Soares, um “animal político” por excelência, não ter guardado este tipo de posição, nesta altura, para um qualquer ferrabrás de serviço: o inefável general Azeredo prestar-se-ia a este papel (provàvelmente encantado) e até lhe daria aquele toque pessoal a que nos tem habituado. O Sr Presidente ficaria resguardado, mas o recado teria sido dado à sua querida sociedade civil (pelo chefe da sua casa militar, o que até daria uma maior abrangência à mensagem).
Naturalmente, nada disto tem que ver com as questões técnicas envolvidas (financeiras, de ordenamento do território e ambientais), cujo debate se prolongará certamente muito para além da expectativa de vida dos litigantes mais jovens. Estou a imaginá-los a dizer aos netos qualquer coisa como: “se a ponte tivesse sido feita onde o avô defendia, os meninos agora não teriam que ir para a escola de helicóptero”.
A questão é política e trata-se de optar por uma solução entre várias e avançar com ela, com plena consciência de que para todas as opções haverá grupos de técnicos com posições opostas apoiadas em sólidos argumentos. A posição tardia que o Dr Mário Soares manifestou e a que o cargo que ocupa dá peso institucional é essencialmente uma posição política (por muito que o Dr diga que pode manifestar a sua opinião como qualquer cidadão).
Que pretenderá o Sr Presidente guardando em carteira durante três anos a sua posição sobre o modo como o dossier da nova ponte foi tratado e pondo em causa os critérios de decisão? Será que não tem matéria suficientemente interessante para o capítulo final das suas memórias?
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