segunda-feira, 25 de maio de 2009

OPINIÃO 95-96 - O Deus da Chuva

Sr Director (Independente):

O texto que se segue foi encontrado no ano de 2495, em Port Moresby (Nova Guiné) na bagagem do primeiro australiano que chegou à ilha, depois da Grande Catástrofe Mundial (ocorrida no fim do século vinte). Fazia parte de um conjunto de apontamentos sobre a vida dos papuas, tomados nos dias que precederam a sua morte. Não tinha ainda percebido que se destinava a ser comido, em cerimónia ritual em honra do Grande Pai Branco, deus da chuva dos papuas. O texto refere-se precisamente à lenda sobre a chegada à ilha desse deus, pouco antes da Grande Catástrofe.

Naqueles tempos o povo andava desesperado. Não chovia há muitas luas e o chão começava a ficar em pedra. As fontes tinham secado há muito tempo. Só nas montanhas havia algumas donde ainda brotava água que se perdia no chão ressequido muito antes de chegar às terras baixas. Só o Grande Pai Branco nos podia valer. O sumo sacerdote chamou o povo para o terreiro grande e no meio de grande alarido e das danças rituais invocou o deus que faz chover. Nesses tempos, o sumo sacerdote era muito poderoso e a sua invocação em breve foi ouvida.

Rugindo sobre a multidão prostrada, o grande pássaro deu sete voltas antes de poisar sobre a terra. Era muito grande, e a sua sombra tapava o sol enchendo de temor as gentes, quando sobre elas planava, ameaçador.

Nunca fechava as asas, como se receasse não ser capaz de as voltar a abrir ou simplesmente para infundir um medo maior ao povo. As patas eram curtas, com garras retorcidas e negras, mais pareciam rodas. O pescoço era direito, com a cabeça virada para baixo, de modo que o bico preto e adunco assentava no chão.

Por baixo de cada asa tinha uns tubos donde saía um vento de fogo que queimava os incautos que tentavam perseguir a grande ave. Dentro dos tubos havia uma semelhança de roda que rodopiava com um forte assobio quando o pássaro se preparava para voar. E de cada asa pendia um tubo e em cada tubo havia dentro uma semelhança de roda que silvava e rugia atemorizando as gentes.

Do pássaro saiu um homem branco, que vinha nas suas entranhas, vestido com um manto branco até ao chão, não deixando ver se caminhava sobre pés ou se flutuava sobre a terra. Estava vivo e acenava ao povo. E o sumo sacerdote levou-lhe uma cesta com terra para que ele a provasse. O homem branco provou da cesta de terra e achou-a boa. E pegando num punhado dela, soprou-a na direcção dos quatro cantos da terra. E as núvens surgiram não se sabe donde sopradas por um vento muito forte até que todo o céu ficou escondido. E as núvens abriram-se sobre a terra ressequida fazendo cair uma chuva perfumada e fresca que durou sete dias e sete noites.

O povo, prostrado de rosto no chão nem se apercebeu da partida do Grande Pai Branco (pois que dele se tratava!) no seu pássaro rugidor. Um dia ele há-de voltar e a nossa terra será outra vez verde e coberta de florestas como era antes do fim do mundo. ALELUIA!


Assim nascem as lendas.
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NOTAS:

[1] Este texto foi suscitado pela notícia da chegada do Papa à Nova Guiné; nesse dia choveu, o que já não acontecia há muito tempo...

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