Sr Director (COMBATENTE - Órgão da Liga dos Combatentes):
O número de Março do Combatente, inclui um artigo do Sr Ten Cor Brandão Ferreira intitulado Ne Sutor Ultra Crepidam. O articulista caracteriza sumàriamente os acidentes ocorridos durante a instrução militar (em ordem às suas causas), e tece considerações sobre as reacções daí decorrentes, na comunicação social, na sociedade civil.
No geral, parece-me um artigo equilibrado e objectivo, mostrando com clareza que a prontidão combativa das FA para fazer face a uma ameça tem que ser assegurada antes que essa ameça surja, isto é, em tempo de paz. Se me permite, até lhe daria uma achega útil com a frase de Cícero “Si vis pacem, para bellum” (se queres a paz, prepara a guerra, em tradução literal).
Contudo, ao insurgir-se contra as intromissões de leigos nos métodos de instrução das FA (daí o título do artigo que significa não suba o sapateiro além da chinela), o sr Tenente Coronel assume um discurso demasiado ligeiro, reduzindo (quase) a causa dos acidentes à periculosidade inerente à actividade castrense.
Parece-me que alguns dos acidentes em instrução ocorridos nos últimos anos se ficaram a dever ao facto de os instruendos terem deficiente supervisão médica, em particular quando empenhados em exercícios que exigem esforço intenso e prolongado, em condições ambientais extremas.
Essa supervisão é fundamental porque, mais do que a exigência dos instrutores, é o instruendo que a si próprio impõe um esforço que pode ser excessivo. A tensão provocada pela necessidade de ter boas classificações (as provas físicas têm, por vezes, que compensar provas “teóricas” menos boas), conjugada com noites mal dormidas, uma refeição desequilibrada e um calor abrasador, podem constituir a receita para um desenlace fatal.
Para o tipo de supervisão que refiro, a quase totalidade dos instrutores não tem mais que um treino rudimentar, estando, pois, numa posição equivalente à do sapateiro quando deixa de apreciar a chinela e passa a tecer considerações sobre a técnica do pintor.
Por outro lado, as averiguações em ambiente corporativo são sempre muito melindrosas, esbarrando numa verdadeira omerta[1], atrás da qual quase tudo se pode esconder. E afinal, não devemos levar a mal que um pai queira saber como é que o filho morreu, e que fique muito intrigado (no mínimo) quando é confrontado, ao longo do tempo, com sucessivas versões oficiais diferentes umas das outras.
Em tempo de guerra, o epitáfio de morto em combate poderá ser aceite, sem grandes reticências. Em tempo de paz, o epitáfio de morto durante a instrução não pode deixar de exigir um esclarecimento detalhado. Nestes casos, o inquérito deveria ser instruído por entidade exterior à corporação, sob a égide da PGR, sem prejuízo de eventuais averiguações internas.
É bom não esquecer que as FA são uma instituição respeitável, mas estão ao serviço da Nação e obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da Lei[2], às quais nem regulamentos, nem interesses corporativos se podem sobrepor.
Para terminar, lembro que o prestígio de uma instituição é muito melhor servido pela verdade e pela vontade sincera de a encontrar, do que pela ocultação sistemática de tudo o que o possa macular.
De certo modo, é o mesmo que se passava com a honestidade da mulher de César...
O número de Março do Combatente, inclui um artigo do Sr Ten Cor Brandão Ferreira intitulado Ne Sutor Ultra Crepidam. O articulista caracteriza sumàriamente os acidentes ocorridos durante a instrução militar (em ordem às suas causas), e tece considerações sobre as reacções daí decorrentes, na comunicação social, na sociedade civil.
No geral, parece-me um artigo equilibrado e objectivo, mostrando com clareza que a prontidão combativa das FA para fazer face a uma ameça tem que ser assegurada antes que essa ameça surja, isto é, em tempo de paz. Se me permite, até lhe daria uma achega útil com a frase de Cícero “Si vis pacem, para bellum” (se queres a paz, prepara a guerra, em tradução literal).
Contudo, ao insurgir-se contra as intromissões de leigos nos métodos de instrução das FA (daí o título do artigo que significa não suba o sapateiro além da chinela), o sr Tenente Coronel assume um discurso demasiado ligeiro, reduzindo (quase) a causa dos acidentes à periculosidade inerente à actividade castrense.
Parece-me que alguns dos acidentes em instrução ocorridos nos últimos anos se ficaram a dever ao facto de os instruendos terem deficiente supervisão médica, em particular quando empenhados em exercícios que exigem esforço intenso e prolongado, em condições ambientais extremas.
Essa supervisão é fundamental porque, mais do que a exigência dos instrutores, é o instruendo que a si próprio impõe um esforço que pode ser excessivo. A tensão provocada pela necessidade de ter boas classificações (as provas físicas têm, por vezes, que compensar provas “teóricas” menos boas), conjugada com noites mal dormidas, uma refeição desequilibrada e um calor abrasador, podem constituir a receita para um desenlace fatal.
Para o tipo de supervisão que refiro, a quase totalidade dos instrutores não tem mais que um treino rudimentar, estando, pois, numa posição equivalente à do sapateiro quando deixa de apreciar a chinela e passa a tecer considerações sobre a técnica do pintor.
Por outro lado, as averiguações em ambiente corporativo são sempre muito melindrosas, esbarrando numa verdadeira omerta[1], atrás da qual quase tudo se pode esconder. E afinal, não devemos levar a mal que um pai queira saber como é que o filho morreu, e que fique muito intrigado (no mínimo) quando é confrontado, ao longo do tempo, com sucessivas versões oficiais diferentes umas das outras.
Em tempo de guerra, o epitáfio de morto em combate poderá ser aceite, sem grandes reticências. Em tempo de paz, o epitáfio de morto durante a instrução não pode deixar de exigir um esclarecimento detalhado. Nestes casos, o inquérito deveria ser instruído por entidade exterior à corporação, sob a égide da PGR, sem prejuízo de eventuais averiguações internas.
É bom não esquecer que as FA são uma instituição respeitável, mas estão ao serviço da Nação e obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da Lei[2], às quais nem regulamentos, nem interesses corporativos se podem sobrepor.
Para terminar, lembro que o prestígio de uma instituição é muito melhor servido pela verdade e pela vontade sincera de a encontrar, do que pela ocultação sistemática de tudo o que o possa macular.
De certo modo, é o mesmo que se passava com a honestidade da mulher de César...
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NOTAS:
[1] Lei do silêncio, regra de ouro na Mafia.
[2] Constituição, Artigo 275º.
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