Sr Director (PÚBLICO):
A polémica que António Barreto iniciou, com a sua rubrica Retrato da Semana, a respeito do destino a dar a objectos estritamente pessoais constantes do arquivo da Pide, parece ter-se instalado na comunicação social.
É um tema com um cariz emocional muito marcado, reportando-se a um período da sociedade portuguesa em que a vida de muito boa gente foi perturbada, ou mesmo prejudicada, mas foi também um período de grandes esperanças no ciclo seguinte (“quando houver paz e socialismo”, dizia a canção), quando o regime autoritário fosse derrubado.
Um dos intervenientes nesta polémica é Fernando Rosas. Opõe-se à devolução do que quer que seja. Ao que parece, as cartas e fotografias absolutamente privadas que tanto perturbaram António Barreto, ao encontrá-las no dossier que a Pide reuniu sobre a sua pessoa, são, para Fernando Rosas, documentos imprescindíveis para caracterizar o Estado Novo e as suas polícias.
Isto trouxe-me à memória um episódio saboroso dos tempos gloriosos da minha juventude, antes do 25 de Abril. No início dos anos 70 eu interessava-me muito pela acção directa, como participante anónimo em comícios, manifs, provocações aos “gorilas” da cidade universitária e fugas à frente da polícia de choque, quando a ocasião se proporcionava: era um bom exercício, e muito menos chato que correr às voltas na pista do estádio universitário.
A parte ideológica não me motivava, enfadando-me mortalmente as minúcias que distinguiam o Glorioso (MRPP, claro!) da UDP, o grupelho de Mendes do PC de P (ml) do renegado Eduíno Vilar. Secretamente, achava disparatada a questão que dividia o Glorioso, numa luta fraticida entre a linha negra do renegado (já vamos em dois, mas havia mais) Saldanha Sanches e a linha vermelha (a justa!) do Camarada Arnaldo Matos.
Não tinha adquirido, pois, a segurança teórica que me teria permitido invocar a meu favor os autores certos nos locais e nas circunstâncias certas. O que não era dispiciendo, pois em Lisboa alinhava com o citado Glorioso, no Algarve, com o grupelho de Mendes, e em Angola, com o MPLA (o que me levava a ter que conviver com os revisas do PCP).
Um belo dia, fui a uma manif para exigir a libertação do Camarada Arnaldo Matos (ou seria para celebrar a sua libertação pelo Povo, já não me lembro). Começaram a ouvir-se os acordes da Internacional, e o pessoal começou a acompanhar, não com palavras, mas com lá-lá-lás, em surdina. “Esta malta não sabe a letra”, pensei eu. “Vou brilhar!” E com voz forte e sonorosa comecei a cantar “...de pé famélicos da terra, de pé, oh vítimas da fome, pó, pó, pó!”, e fui imediatamente abafado: aquela letra não era a correcta, mas a letra revisas, disseram-me (realmente, aprendera-a em Luanda, com os PCs, conferi).
Pedi, então, que alguém me mostrasse a letra aprovada, para que a cantasse. Foi aí que me contaram a desgraça que acontecera. O camarada Fernando Rosas (director do Luta Popular e membro do Comité Lenine, Comité Central do MRPP) quando fora preso na véspera, pela Pide-DGS, levava no bolso do casaco o papel com a letra da Internacional, na versão proletária, devidamente aprovada pelo atrás referido Comité Lenine, Comité Central do MRPP.
A polémica que António Barreto iniciou, com a sua rubrica Retrato da Semana, a respeito do destino a dar a objectos estritamente pessoais constantes do arquivo da Pide, parece ter-se instalado na comunicação social.
É um tema com um cariz emocional muito marcado, reportando-se a um período da sociedade portuguesa em que a vida de muito boa gente foi perturbada, ou mesmo prejudicada, mas foi também um período de grandes esperanças no ciclo seguinte (“quando houver paz e socialismo”, dizia a canção), quando o regime autoritário fosse derrubado.
Um dos intervenientes nesta polémica é Fernando Rosas. Opõe-se à devolução do que quer que seja. Ao que parece, as cartas e fotografias absolutamente privadas que tanto perturbaram António Barreto, ao encontrá-las no dossier que a Pide reuniu sobre a sua pessoa, são, para Fernando Rosas, documentos imprescindíveis para caracterizar o Estado Novo e as suas polícias.
Isto trouxe-me à memória um episódio saboroso dos tempos gloriosos da minha juventude, antes do 25 de Abril. No início dos anos 70 eu interessava-me muito pela acção directa, como participante anónimo em comícios, manifs, provocações aos “gorilas” da cidade universitária e fugas à frente da polícia de choque, quando a ocasião se proporcionava: era um bom exercício, e muito menos chato que correr às voltas na pista do estádio universitário.
A parte ideológica não me motivava, enfadando-me mortalmente as minúcias que distinguiam o Glorioso (MRPP, claro!) da UDP, o grupelho de Mendes do PC de P (ml) do renegado Eduíno Vilar. Secretamente, achava disparatada a questão que dividia o Glorioso, numa luta fraticida entre a linha negra do renegado (já vamos em dois, mas havia mais) Saldanha Sanches e a linha vermelha (a justa!) do Camarada Arnaldo Matos.
Não tinha adquirido, pois, a segurança teórica que me teria permitido invocar a meu favor os autores certos nos locais e nas circunstâncias certas. O que não era dispiciendo, pois em Lisboa alinhava com o citado Glorioso, no Algarve, com o grupelho de Mendes, e em Angola, com o MPLA (o que me levava a ter que conviver com os revisas do PCP).
Um belo dia, fui a uma manif para exigir a libertação do Camarada Arnaldo Matos (ou seria para celebrar a sua libertação pelo Povo, já não me lembro). Começaram a ouvir-se os acordes da Internacional, e o pessoal começou a acompanhar, não com palavras, mas com lá-lá-lás, em surdina. “Esta malta não sabe a letra”, pensei eu. “Vou brilhar!” E com voz forte e sonorosa comecei a cantar “...de pé famélicos da terra, de pé, oh vítimas da fome, pó, pó, pó!”, e fui imediatamente abafado: aquela letra não era a correcta, mas a letra revisas, disseram-me (realmente, aprendera-a em Luanda, com os PCs, conferi).
Pedi, então, que alguém me mostrasse a letra aprovada, para que a cantasse. Foi aí que me contaram a desgraça que acontecera. O camarada Fernando Rosas (director do Luta Popular e membro do Comité Lenine, Comité Central do MRPP) quando fora preso na véspera, pela Pide-DGS, levava no bolso do casaco o papel com a letra da Internacional, na versão proletária, devidamente aprovada pelo atrás referido Comité Lenine, Comité Central do MRPP.
Por isso, nesse tempo, nas manifs do Glorioso, só se cantava lá-láááá, lá-lá, lá-lá, lá-lá (pó, pó-pó).
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