Sr Director (Expresso):
O Expresso de 6 de Abril publicou um artigo de Jorge Nascimento Rodrigues que considerava a produtividade o calcanhar de Aquiles português. Apresentava dados mostrando a evolução dos indicadores da produtividade portuguesa, comparando-a com a dos seus pares da Europa do Sul, incluindo neste conceito a Irlanda.
Não resisti a transportar esses dados para gráficos que mostram, de forma mais sugestiva, a nossa posição ao longo do período considerado. Os gráficos sugerem também, e de forma clara, que o fosso que nos separa da Europa tem tendência a alargar-se.
No tocante à taxa de crescimento anual da produtividade, vemos que Espanha e Grécia partiram de posições semelhantes, 6,4 %, com o nosso país ligeiramente abaixo, 6%.
NOTA:
Produtividade do trabalho: PIB por hora de trabalho, média anual das taxas de crescimento acumuladas.
A Irlanda teve de 1950 a 1973 uma taxa de crescimento médio anual bastante inferior, 4,4%, mas manteve-a quase inalterável no vinténio seguinte (4,1%). A Espanha e a Grécia tiveram nesse período taxas de crescimento ao ano de 3,3% e 2,5%, respectivamente, tendo Portugal afundado para 1,9%.
Assim, desde o 25 de Abril, o índice de produtividade de Portugal não deixou de se afastar dos seus pares do Sul, com destaque para a Irlanda, cuja produtividade cresceu durante 40 anos a uma taxa sempre acima dos 4%!
Daí que a produtividade
[1] da Irlanda e da Espanha se tenha aproximado da média dos países ricos
[2], contràriamente ao que sucedeu com Portugal e com a Grécia. Veja-se o gráfico seguinte.
Dólares produzidos por hora de trabalho
A tendência para o progressivo atraso deveria ter-se invertido com a nossa entrada para a então CEE. Efectivamente, após a adesão foram vertidos sobre o País fundos diversos destinados a fazer convergir a nossa economia com a dos nossos parceiros europeus, nomeadamente para modernização da indústria, da agricultura e pescas, construção de novas vias de comunicação e melhoramento das existentes, e para desenvolvimento dos recursos humanos.
Neste último campo, foram disponibilizados milhões para formação, com o intuito de dotar a população activa de capacidades necessárias à sua integração numa economia em expansão, com empresas aptas a competir num mercado aberto destinado, a curto prazo, a estender-se a todo espaço comunitário.
A utilização destes fundos nem sempre foi feita de forma transparente, com fraudes e irregularidades pelo meio, com demoras enormes na entrega das verbas resultantes da dupla tramitação burocrática envolvida.
Contudo, o que parece mais gritante, é a forma totalmente errática que caracterizou o processo. Aparentemente, lançando dinheiro sobre o país, esperava-se que se formassem espontâneamente estruturas para o aproveitar, em cursos concebidos, em número e matéria, para aumentar o potencial dos recursos humanos nacionais.
Nas empresas, já vai sendo habitual estabelecerem-se planos estratégicos (ou definir-se um pensamento estratégico orientador) quando se pretende operar uma mudança, levando a empresa da situação em que se encontra para uma situação futura pretendida. As etapas a cumprir, os objectivos intermédios, os calendários são definidos obedecendo à estratégia, tal como os recursos a afectar e a formação que cada pessoa tem que receber para acompanhar, possibilitar, ou liderar a mudança.
Para o todo nacional procedeu-se de forma diversa, sem plano e sem estratégia: confiou-se na mão invisível[3] para transformar pessoas sem formação, ou com formação inadequada ou insuficiente, em técnicos com as qualificações necessárias à mudança pretendida.
Aplicados desta maneira, os fundos resultaram quase em pura perda, com jovens formandos a acumular vastos leques de cursos, desde a incontornável introdução aos computadores e software sortido à soldadura TIG, ao corte e costura (design de moda, para ser mais fino), a técnicas avançadas da apanha da azeitona (suspeito que terá havido várias acções de formação neste campo, com um módulo para a azeitona preta e dois para a azeitona verde).
A selecção de pessoas a formar parece ter obedecido ao critério “tudo o que vem à rede é peixe”: idade, escolaridade, curriculum não interessavam muito, desde que os formandos assinassem as folhas de presença, garantindo o escoamento do fundo respectivo para os recipientes apropriados.
Era corrente encontrar a frequentar cursos de, por exemplo, Psicologia Comportamental (Assertividade, Gestão da Mudança, Gestão do Tempo) grupos constituídos por licenciados, um mestre, um mestrando, e dois homens com pouco mais que a 4ª classe, no limiar dos 60 anos, completamente perdidos do início ao fim do curso (cerca de 2 semanas).
Com este maná, as empresas especializadas em FSE e em projectos de formação, brotaram como cogumelos fazendo a ligação entre o Fundo e as empresas sob cuja égide os cursos eram organizados. Como tudo na vida, essas empresas floresceram enquanto houve dinheiro, e encerraram quando este acabou.
Nunca percebi por que é que não se aplicou a maior parte dos fundos na melhoria do sistema de ensino existente[4], na formação dos docentes, em laboratórios, salas de computadores, equipamentos audiovisuais, descendo até aos comezinhos (e tão desprezados...) ginásios, e esticando um pouco a corda até aos jardins de infância, onde tudo começa. A fazer-se, esta aplicação poderia ser optimizada por uma plano de afectação de recursos que definisse as áreas a privilegiar, as prioridades a respeitar, a calendarização a observar. Os resultados não seriam visíveis a curto prazo, mas seriam profundos e duradouros.
Deixando tudo entregue à mão invisível, é natural que os resultados tenham sido... invisíveis. Por outro lado é sempre de evitar (por motivos óbvios) que dinheiros públicos fiquem ao alcance de mãos invisíveis (o dinheiro pode ficar também ... invisível).
Do que atrás ficou dito, fica claro que os dinheiros da Europa pouco terão feito pelos índices de produtividade, e pouco poderão vir a fazer se forem aplicados de forma tão desastrada.
Durante o PREC, as nacionalizações de empresas e colectivização de propriedades tinham implícita a ideia de que “os trabalhadores, livres da servidão imposta pelos patrões saberiam encontrar formas de organização conducentes ao aumento da produção e da produtividade”. O resultado viu-se, e as sequelas ainda não estão hoje totalmente sanadas.
O modo como o FSE foi aplicado, parece ter subjacente uma ideia semelhante: toda a formação que se dê aos trabalhadores reflectir-se-á necessàriamente (de forma misteriosa) no aparelho produtivo (abrangendo, nos tempos que vão correndo, a produção de serviços), ou seja, a organização e gestão podiam esperar. O essencial e urgente era a qualificação dos trabalhadores.
Acontece que o problema da produtividade não é um problema da mão de obra, por muito estranho que esta afirmação pareça. Dizer que a produtividade dos nossos trabalhadores é inferior à dos trabalhadores alemães (por exemplo) só terá algum sentido quando compararmos os índices de ambos, trabalhando nas mesmas circunstâncias, mormente na mesma empresa, isto é:
a produtividade é essencialmente um problema de gestão
donde,
a baixa produtividade deve ser encarada, em primeiro lugar, como um indicador de má gestão[5]
Para um bom nível de produtividade, os trabalhadores devem receber a formação e informação necessárias ao desempenho das actividades a que estão afectos[6], as actividades devem ser organizadas de modo adequado, e as pessoas têm que ser motivadas. Para manter (alterar ou restabelecer) o equilíbrio destes factores, é essencial a existência de um sistema de informação e apoio à gestão. Uma componente indispensável é a avaliação do desempenho. Sem ela, faz-se e manda-se fazer, mas não se avalia o que efectivamente foi feito, nem o que cada um fez.
Infelizmente, quando a avaliação do desempenho existe, raras vezes vai além de formas embrionárias que se traduzem no preenchimento anual pelas chefias de fichas de avaliação dos subordinados, que servirão para orientar a atribuição de gratificações (ditas) de desempenho.
Esta situação é altamente desmotivadora, em particular para os quadros intermédios, pois a diferenciação percebida pelas chefias baseia-se quase exclusivamente em factores subjectivos, em que as questões relacionais (avaliador - avaliado) tendem a sobrepor-se às performances do avaliado. A avaliação pontual, unilateral e subjectiva, conduz quase fatalmente à atribuição das maiores pontuações aos detentores dos cargos de topo, decrescendo (em valores médios) na razão directa do nível hierárquico. Quem parte e reparte...
Em Portugal, são ainda poucas as empresas que têm implantados sistemas de avaliação do desempenho assentes no estabelecimento de objectivos negociados, com metas a atingir ao longo do ano, consistindo a avaliação na comparação das marcas atingidas com as metas prèviamente estabelecidas.
Neste processo, as chefias são também avaliadas pelos subordinados (ou os chefes de projecto, pelos membros da equipa). E aqui chegamos, quase sempre, a um bloqueio insanável: na empresa tradicional, entre os quadros tradicionais, mesmo entre os jovens yuppies, é dominante o espírito de tropa, inculcado desde o berço, que ordena a competência e inteligência das pessoas na razão directa da sua posição na hierarquia, e falseia, quando não bloqueia completamente a comunicação vertical.
Finalmente, a política salarial na empresa é, muitas vezes, a pedra de toque que encima este edifício tosco: por muito mal que uma empresa seja gerida[7] não são os gestores que sofrem as consequências dos maus resultados (veja-se a TAP, RTP, etc, etc, etc). Poucas empresas (mesmo privadas) ajustam a superestrutura institucional à dimensão (e ao potencial) do negócio. O emagrecimento das empresas tende a fazer-se por baixo, como por baixo se faz a contenção salarial. Poucas cortam nos fringe benefits ou despedem gestores pouco competentes ou sem pelouro.
É habitual os aumentos serem feitos por igual, irmanando os dedicados e os pouco disponíveis, os “activos” e os que apenas acumulam mais uma sinecura, esperando-se incentivar quem trabalha mal (ou pouco) a trabalhar melhor (ou mais).
Não é raro ouvir-se, mesmo entre quadros intermédios, o desabafo amargo “pagam-me mal, mas eu vingo-me: cada vez faço menos”.
Assim vai a produtividade em Portugal...
. . . . .
NOTAS:
[1] Produtividade: valor gerado por hora de trabalho, medido em dólares de 1990.
[2] MPD - média dos países desenvolvidos
[3] ou terá sido nas leis do mercado?...
[4] Será que os alemães não deixaram?!
[5] ou, por outras palavras, de mau desempenho dos gestores.
[6] ou seja, o need to know em detrimento do nice to know.
[7] a menos que haja escândalos, irregularidades flagrantes ou actos de má gestão incontroversos - o que é raríssimo.