quarta-feira, 25 de março de 2009

OPINIÃO 95-96 - Guerra ao Narcotráfico I

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Sr Director (PÚBLICO):

Acabei de ler a coluna do Dr Miguel Sousa Tavares no Público de hoje, sob o título “Ousar lutar, ousar vencer”
[1]. Li o artigo de ponta a ponta e escrevo para manifestar a minha concordância. De facto, a luta contra a droga está de antemão perdida já que uma das partes joga com todas as armas ao seu dispor, e a outra move-se dentro de um quadro legal e de princípios morais e éticos que lhe tolhem os movimentos e a condenam ao insucesso.

O posicionamento estratégico do Estado e das organizações envolvidas na luta contra a droga parece-me errado. Perseguir os traficantes e penalizar os consumidores está a dar tão pouco resultado como o que os Camones obtiveram durante a Lei Seca. Em ambos os casos o consumidor não se sente um criminoso (e a meu ver não é) e o traficante tem nos lucros principescos o incentivo bastante para continuar a traficar.

Por outro lado, o consumidor tornado toxicodependente ascende ràpidamente ao status de criminoso, entregando-se a pequenos roubos que lhe garantam o rendimento necessário para obter a dose diária. A Polícia vê-se obrigada a acorrer a este pequeno delito (pequeno de per si, mas grande em quantidade de casos) dispersando esforços que, supostamente, se deveriam concentrar na perseguição aos traficantes.

O que o Dr Miguel Sousa Tavares preconiza é o abandono desta estratégia perdedora e a implementação de uma outra que tem a, meu ver, dois pontos claramente fortes, a saber:

1. visa eliminar radicalmente o tráfico de droga, retirando-lhe os clientes; resolveria de uma penada a pequena delinquência associada ao consumo, e a superlotação das prisões dela decorrente;

2. trata os consumidores como doentes, e não como criminosos, proporcionando-lhes o tratamento adequado, em condições de higiene e segurança, a preços não especulativos.

Há, contudo, um ponto fraco e de ética duvidosa:

3. o facto de a droga ser vendida nos hospitais (ou noutra instituição estatal), podendo o utilizador levá-la para consumir alhures, de forma descontrolada. Possibilitaria a sua revenda a consumidores não assumidos, eventualmente a menores.

Uma das objecções que habitualmente se levanta a soluções deste tipo é que só funcionariam se globalmente implementadas a nível mundial (o que é, no mínimo, utópico), pois sem isso o país transformar-se-ia num hipermercado da droga (tipo Holanda com as drogas leves).

Parece-me, contudo, que esta fraqueza pode fàcilmente ser resolvida, desde que o consumo seja feito nos hospitais ou em Centros de Tratamento e Reabilitação
[2] a criar para o efeito. O toxicodependente não teria qualquer intervenção na preparação do produto que lhe seria ministrado, e nada teria a pagar. Seria encorajado a permanecer no Centro enquanto estivesse sob o efeito da droga, sendo-lhe proporcionado um local adequado para o efeito.

O caso de menores deveria ser tratado de forma diferente, sendo obrigatòriamente sujeitos a tratamento de desintoxicação, acompanhamento psicoterapéutico e aconselhamento para reinserção social (a começar na família e na escola).

A despenalização do consumo seria acompanhada por um endurecimento (efectivo) da lei face ao tráfico e ao incentivo ao consumo por menores.

Os custos directos a suportar pelo Estado seriam consideráveis, mas talvez fossem compensados pela diminuição da despesa em policiamento e encarceramento resultante da eliminação do pequeno delito associado ao consumo. Por outro lado, a luta contra a SIDA ganharia novo ímpeto com a redução do contágio no grupo de risco dos toxicodependentes. É o grupo mais numeroso, hoje são cerca de 1/3 do total de casos registados, e é também o grupo menos sensível às campanhas de prevenção, excepção feita à da troca de seringas, um dos poucos sucessos registados neste campo.

As almas sensíveis e as mentes bem pensantes indignar-se-ão, certamente, com propostas deste tipo, denunciando-as por pretenderem transformar os hospitais em “casas de ópio” e o Estado em rei dos traficantes. Preferirão continuar a contribuir para o Projecto Vida, superiormente gerido pelo inimaginável Padre Vitor Feytor Pinto que considera que o problema da droga está sob controlo (não disse de que cartel...), ou a rasgar elogios às quintas-de-regeneração-temporária Patriarche onde os drogadinhos vão ganhar forças para nova etapa, ao sol, ar puro e trabalho manual.

Entretanto, os nosso filhos continuarão expostos a técnicas promocionais, engenhosas e atractivas, de quem tem muito para investir num negócio mais lucrativo que o jogo e que a prostituição juntos...

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NOTAS:

[1] Isto era, se bem me lembro, o lema de uma das listas candidatas à Direcção da Associação do Técnico ou da RIA, lá para o ano de 1971 ou 72.

[2] Aqui fica uma sugestão para o nome.

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